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O sequestro que não houve

Estimado leitor, 1973 foi um dos anos mais cruéis para os militantes de esquerda

Mozart Lacerda Filho
Publicado em 30/01/2011 às 13:39Atualizado em 20/12/2022 às 01:57
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Estimado leitor, 1973 foi um dos anos mais cruéis para os militantes de esquerda que lutavam contra a Ditadura Militar. Para se ter uma ideia, basta dizer que, entre outubro desse ano e fevereiro do ano seguinte, os órgãos de repressão prenderam, torturaram e mataram nove membros da Ação Popular, organização esquerdista de orientação católica.

Pois bem. Estamos em dezembro de 1973, na cidade de São Paulo. Dois personagens são centrais nessa narrativa: Ari, estudante de 25 anos, que pertencia à direção geral da organização e João, também estudante, 23 anos, responsável por fazer a comunicação entre os comitês regionais e o comitê nacional.

Quando João estacionou o seu Fusca azul nas imediações da Rua Frei Caneca tinha a intenção de encontrar-se com Ari e de passar-lhe uma série de documentos da organização. Havia algumas resoluções que o comitê central havia determinado e João estava encarregado de levá-las aos comitês regionais.

Ari contou a João que inúmeros companheiros de ambos estavam sendo presos e levados para os porões dos quartéis. Com isso, a organização estava se enfraquecendo e corria sério risco de desaparecer. Portanto, era preciso fazer alguma coisa rápida.

A intenção do comitê central, se não era totalmente inédita, era, no mínimo, ousada: sequestrar um importante general do exército brasileiro e, posteriormente, trocá-lo por presos políticos. Para isso, o serviço de inteligência da organização já havia feito um minucioso estudo de seus hábitos. Sabia-se, por exemplo, que ele fazia caminhada pela manhã todas as segundas, quartas e sextas, sem nenhum tipo de segurança. Um simpatizante da organização já havia cedido sua casa para servir de cativeiro e algumas armas estavam sendo providenciadas. Ou seja, o sequestro já estava praticamente armado.

Ao ouvir a ideia, João foi peremptoriamente contra. No seu entendimento, era um despautério tentar sequestrar um general e isso somente faria agravar, ainda mais, uma situação que era por demais crítica e tentou alertar o amigo dos perigos que tal empreitada trazia. Ari apenas acrescentou que era uma decisão já tomada e que não dependia mais deles. Antes de se separarem, João e Ari entraram numa padaria na Rua Matias Ayres e pediram uma vitamina de frutas cada um. Beberam e cada um seguiu seu caminho.

Ao chegar ao apartamento em que estava hospedado, João percebeu que esquecera toda a documentação relativa ao sequestro na mesa da padaria em que  esteve instantes antes. Por medidas de segurança, não podia voltar lá para tentar reaver os documentos perdidos.

Não havia outra saída: era preciso comunicar o comitê central. Depois de muita relutância, os membros da direção da organização decidiram abortar o sequestro do general. Afinal de contas, eles não tinham mais nenhuma garantia de que a ação a ser realizada não fora descoberta.

 

(*) doutorando em História; professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM

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