“O que fizeram certas crianças / Para merecer tanta violência? / Faltam-lhes com o mínimo respeito / Tratam-lhes sem a menor clemência.” Estas frases rimadas constaram de um soneto que dediquei à menina Isabella Nardoni, de seis anos, morta no dia 29/03/2008, segundo a Justiça, por obra do próprio pai e da madrasta.
A frouxidão das nossas leis, regada pela inércia dos nossos legisladores, permitiu que outros inocentes morressem depois em condições análogas. As estatísticas não revelam, mas eles são muitos. No dia 04/04/2014 chegou a vez do menino Bernardo Uglione Boldrini de 11 anos, da cidade de Três Passos, no Rio Grande do Sul. Quanta crueldade!
Conheço padrastos e madrastas que assumiram o papel de verdadeiros pais e, da mesma forma, enteados que os adoram. Esses bons e novos pais tiveram mais uma vez a imagem chamuscada pelo sangue da extrema “barbaridade tchê!”, termo muito usado pelos nossos irmãos gaúchos. Um plano assentado em engenharia macabra, patrocinado ao que se suspeita, pelo pai, médico, e sua companheira. Tudo para eliminar Bernardo. E não se descarta a participação de outras pessoas na sua morte.
A promessa de ganhar uma televisão, um carro parado em blitz, uma injeção letal(?), um buraco feito na mata, soda cáustica, soterramento etc. foram alguns dos itens do elenco reservado ao guri Bernardo. Sem ninguém para ver o crime, Deus colocou a maior das testemunhas: o próprio silêncio dos algozes.
Crianças mártires, temos várias, e o calvário de Bernardo o credencia para ser também transformado. Perdeu a mãe aos 7 anos de idade, ganhou a (má)dastra no mês seguinte, foi rejeitado pelo pai, perdeu o aconchego do lar, mendigou o afeto de terceiros e sofreu outras privações desumanas. E como se não bastasse, foi morto com requintes de brutalidade. Dotado de intensa luz própria, Bernardo, para compensar as atrocidades que sofria, projetava-se como um ser humano maduro, inteligente, aglutinador, amigo e atraia admirações para si.
Não por acaso uma criança vai a um fórum da Justiça, dirige-se à promotora e ao juiz e lhes pede providências para se proteger dos acintes que sofre dentro de casa. É o cas para as autoridades, ali estava mais um caso, mas para o interessado, aquele era o seu caso. Promotora de justiça e juiz se penitenciaram diante das câmeras de televisão por ter errado. E o Conselho Tutelar, o que terá feito? Continuo com a conclusão de que as nossas crianças, apesar da legislação e o aparato periférico, carecem da atenção que merecem.
Pais e avós amorosos que ouvi concluíram comigo que: - outros Bernardo Uglione Boldrini, infelizmente, estão na fila para morrer. Uma, porque a nossa impunidade respaldada em recursos judiciais é estimulante. Outra, porque “Onde tem o homem, tem o pecado”, segundo o filósofo romano Marco Túlio Cícero.
(*) PRESIDENTE DO FÓRUM PERMANENTE DOS ARTICULISTAS DE UBERABA E REGIÃO, MEMBRO DA ACADEMIA DE LETRAS DO TRIÂNGULO MINEIRO