Estimado leitor, Nathaniel Ayers sofre de esquizofrenia, mas tem um talento incomensurável para a música, tanto é assim que foi, por dois anos, aluno da famosa escola de música Julliard...
Estimado leitor, Nathaniel Ayers sofre de esquizofrenia, mas tem um talento incomensurável para a música, tanto é assim que foi, por dois anos, aluno da famosa escola de música Julliard, de Nova Iorque. Infelizmente, um dos sintomas mais comuns da esquizofrenia são os delírios persecutórios, que o fizeram abandonar as aulas e o convívio da familiar. Foi morar debaixo de um viaduto, nas ruas de Los Angeles, onde passa os dias tocando um violino de duas cordas. Steve Lopes, colunista do Los Angeles Times, conhece Nathaniel e enxerga nele a possibilidade de contar uma bela história, justamente num momento em que os jornais impressos começam a perder espaço para os jornais veiculados pela internet. Feitos os contatos iniciais, Lopes, por intermédio de seus artigos, torna pública a vida de Nathaniel. Com o tempo, os dois vão viver uma grande amizade. Esse é o enredo do filme O Solista, que tive oportunidade de recentemente ver com meus alunos do primeiro período de Psicologia da UFTM. À primeira vista, parece um filme sobre as agruras por que passam as pessoas portadoras de alguma patologia mental, em especial a esquizofrenia, que, diga-se de passagem, imprime grande sofrimento àqueles que, infelizmente, dela sofrem. Entrementes, o filme é muito mais que isso. Na verdade, O Solista discute a solidão nossa de cada dia. E isso fica claro quando analisamos a personagem do jornalista. Brilhantemente vivido por Robert Downey Jr., Steve Lopes é o retrato fiel do sujeito que vive sozinho, porém cercado de pessoas por todos os lados. Com medo de ser demitido, Lopes mergulha todos os dias no trabalho, com tal intensidade que não tem tempo nem mesmo para as atividades mais básicas. Sua casa está em permanente bagunça, a mulher se foi, e o único filho ele não vê há meses. Morando num grande centro urbano, onde as pessoas vivem alienadas uma das outras, ele não tem força para reagir a essa situação, entregando-se às circunstâncias. Se é certo que a solidão de Nathaniel é mais fácil de compreender, é certo também que não é menos devastadora. Decorrente da esquizofrenia, a solidão do músico o projeta dentro de si mesmo, lançando-o no obscuro universo de seu mundo mental, onde a árdua missão de se manter lúcido vai, aos poucos, sendo derrotada. À medida que a solidão de um vai encontrando refúgio na solidão do outro, o que vemos é o magistral esforço de ambos para se manterem lúcidos e, quem sabe, de readquirirem gosto pela vida. A metáfora entre o filme e a vida moderna (ou pós-moderna, como queiram) é perfeita. Não muito diferente vivemos hoje, onde nos tornamos reféns de um modelo de vida cada vez mais sufocante e, por isso, arrastamos pela vida toda nossa solidão. Nossos momentos de respiro se dão no trabalho, na viagem de negócios, nalgumas escapadelas que damos com a família no fim de semana prolongado ou coisa do gênero. Mas nada que melhore muito nossa eterna condição de seres solitários. O mais curioso é que Nathaniel prefere o barulho das ruas às vozes que tanto o incomodam. Não é por acaso que adoramos TVs por assinatura que veiculam mais de 100 canais. É uma das formas que encontramos de abafar nossa voz interior.