Não tem como escapar, antes não havia a recomendação, agora ela é recorrente. Houve uma época em que o corpo estava em constante movimento. Perdemos o preparo físico, ganhando em comodidade, comprometendo assim o corpo, a alma. O receituário de hoje é pedagógico, exercite. As perguntas durante um exame médico são várias, mas a conclusão é cultural, faça exercício. Caminhe, vá à academia, nade, se liberte no sexo, deixe de resmungar e beije mais na boca. Quando casado, restabeleça a trilha da paixão, estando separado, se deixe fluir. Se nada disso existir, então, namore.
No entanto, não deixe de praticar esportes. Puxe ferro, faça uma alimentação balanceada, deixe as guloseimas de lado, ao lado do cigarro, e não exagere nas bebidas alcoólicas. Asseguraram a Evódio - que é resistente a academias - que há um hormônio do qual se inundam os que fazem ginástica. Se começar, não para mais, acreditou na conversa e passou a frequentar a academia.
Malhar passou a ser a tônica do mundo atual, se quer ser moderno, acrescente esse verbo nas conversas. No dia inicial na academia é pura timidez, porque não há preparo físico para o desempenho, no alongamento não se alonga e a esteira é pura monotonia. Depois, o ritual deixa essa historia para trás. O verbo malhar é transitivo direto, o objeto antigo era o ferro, que agora é o corpo necessitando do malho para suar e perder calorias. Numa manhã de desafios de Evódio, havia uma voz espremida entre a dor e o fazer, entre o alongar e o cumprimento da série. Ao olhar para o gemido, viu ao lado do gemedor o seu “personal trainer” a incentivar o que o corpo é capaz.
Talvez não se devesse observar, mas observa-se. Era, portanto, o Renato retirando a idade do Generoso. Do outro lado, o Leo incentivando a Mirna em sua missão. Enquanto isso, Evódio flagelava a carne em busca da libertação da alma. O tempo encrua o corpo. Leo é um otimista, acredita que as pessoas podem desencruar a partir do exercício físico. Certo dia, ao chegar à academia, começou espalhar cartazes pelas paredes. Havia resolvido promover um aulão entre aqueles que frequentam a Olímpica. Dedicado como o cão o é ao seu espaço, inovou ao realizar o proposto. No dia do evento lá estavam os seus frequentadores a superarem os obstáculos da malhação.
Evódio não concluiu o circuito e nem precisaria, só pelo fato de ter perdido a resistência com academia já é um avanço, os demais foram de fôlego adentro. Não é que aquilo que se chama malhação pode se tornar uma prática tão prazerosa como comer chocolate, beber cerveja e deixar para amanhã aquele relatório? São coisas substituindo outras, e quando as substituições são feitas pelas prazerosas, o tempo é minguado e a satisfação se desdobra em outros locais aonde se vive. O receituário médico, disse-me Evódio, pode ser pedagógico, mas a receita é tiro e queda. Nos primeiros dias há a descompostura que perde espaço na assiduidade. Desnecessário dizer à força que tem a perseverança.
(*) professor