Não faz um mês, um casal encontrou na rua uma pasta com 20 mil reais. Não eram dois elementos daquela quadrilha que rodeia o governo, eram dois catadores de lixo. Dois representantes daquela pobreza que agride nossos sentimentos. O que fizeram? Ficaram caladinhos? Não. Procuraram o dono e entregaram o dinheiro. Um deles ainda declarou: “Minha mãe me ensinou para não ficar com o que não é meu”. Quanto a nós, ficamos boquiabertos, estamos nos desacostumando com a honestidade.
Na mesma linha de raciocínio, outro fato me fez refletir. Eu aguardava qualquer coisa no guichê de uma instituição administrativa. Ao meu lado, um senhor também esperava. Causava um pouco de estranheza, estava mal-vestido, cabelos desalinhados e suava por todos os poros. A funcionária que nos atendia não escondia seu mau humor. Ao deparar com aquele senhor em sua frente, torceu nariz e comentou com seu colega ao lad “O pior é o mau cheiro”. A resposta do rapaz foi de grande sensatez: “Conheço esse cara, é um vaqueiro, um daqueles que se levanta às duas da madrugada para tirar o leite que você bebe, bem dormida, em seu café da manhã. É gente boa”.
Todos nós temos muita facilidade para julgar os outros pela aparência externa. Nós nos esquecemos com muita facilidade de que dependemos uns dos outros. Geralmente os mais humildes são os mais necessários. Precisamos mais dos pobres do que eles de nós bem ajustados na vida. Imaginemos uma cidade só de pobres. Eles sobreviveriam. Eles fariam todos esses serviços de infraestrutura. Entre eles estão os pedreiros, os lixeiros, os lavradores, as domésticas, os motoristas, os padeiros, as babás, os varredores de rua. Sem os ricos, eles continuariam vivendo como pobres. Eles sempre dão um jeito. A solidariedade deles cobre as deficiências uns dos outros.
Agora, pense numa sociedade só de ricos. Quem pegaria o lixo deles? Quem faria o pão para eles? Quem lavaria suas roupas? Quem varreria suas mansões? Quem consertaria seus carros? Eles não poderiam viver sem os pobres. Mas, nem sequer pensamos nisto e olhamos os mais humildes de cima para baixo.
O que estou escrevendo, talvez seja um imaginário fantasioso. Até mesmo ingênuo. Mas, não é verdade que as classes A e B não viveriam sem a classe C? Precisamos mais deles do que eles de nós. Então por que essa mania de chamá-los de gentinha?
Para terminar, uma perguntinha sem malícia: “Se eu, se você, se qualquer um de nós, achássemos 20 mil reais na rua, o que faríamos?
(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro