No último artigo, falei de como se deu a substituição do coronel Pedro Nazaré, depois que o Arcebispo de Uberaba, Dom Alexandre, esteve com o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto. Mas isso não foi suficiente para devolver Uberaba à tranquilidade, tendo em vista que as listas de pessoas que deveriam ser presas pelos órgãos de repressão só aumentavam.
Outro nome que constava nessa lista era o de Madre Georgina, superiora das Dominicanas e diretora da Faculdade de Filosofia. Segundo depoimento dado ao jornalista Márcio Moreira Alves, publicado no livro O Cristo do Povo, tão logo os militares chegaram ao poder, foram designados dois estudantes para ocupar a Faculdade Santo Tomás de Aquino (Fista).
Segundo a Madre, "aqui não tivemos nenhum soldado ou investigador da polícia. O que apareceu foram dois molecotes da Faculdade de Arquitetura de Belo Horizonte que, com plenos poderes concedidos pelo general Carlos Luís Guedes, destituíram os diretórios acadêmicos de todas as faculdades da cidade e promoveram novas eleições. Chegaram de revólver na cintura, dizendo que a Revolução ainda não alcançara Uberaba e aqui chegaria pelas mãos deles" (ALVES, 1966, p. 268).
Madre Georgina foi chamada ao quartel da Polícia Militar para uma reunião entre os diretores de faculdades e os dois rapazes de Belo Horizonte. O comandante comunicou que os rapazes tinham amplos poderes para redemocratizar o movimento estudantil de Uberaba e solicitou a colaboração de todos.
Como primeiras medidas, os interventores convocaram uma reunião preparatória das eleições que elegeriam os substitutos das chapas que estavam no poder. A lei Suplicy de Lacerda ordenava que todos os líderes estudantis fossem substitutos e, nos seus lugares, seriam colocadas pessoas simpatizantes dos militares.
Nessas novas eleições, os quadros da Ação Católica foram proibidos de concorrer e, dessa forma, militantes da Juventude Universitária Católica, a JUC, foram "expulsos" da militância política oficial, passando a trabalhar na clandestinidade.
Dentre as várias acusações feitas pelos estudantes de Belo Horizonte aos atuais líderes estudantis da Faculdade de Filosofia, estava a de que nela só havia seis verdadeiros democratas. Esta acusação foi posteriormente "confirmada". Quando da apuração dos votos obtidos pela chapa apresentada pelos interventores, verificou-se que exatamente seis estudantes haviam votado nela.
Narrada dessa forma, parece que os estudantes uberabenses nada fizeram para impedir que essa ridícula votação fosse adiante. Ledo engano. Articuladas entre si, as lideranças locais combinaram de não comparecer à votação e, no seu lugar, enviaram os amigos estudantes que deveriam tumultuar a plenária. Com isso, os presidentes dos centros acadêmicos puderam se reunir, com segurança, em outro local.
Dito e feit no dia e hora da votação, o auditório da Faculdade de Filosofia era pura barulheira. Cada vez que os interventores tentavam pronunciar palavras de ordem, uma sonora vaia era emitida no local, impedindo a votação de continuar. Como tudo não passava de uma farsa, usando de sua autoridade, os representantes dos militares declararam vencedora a chapa por eles apresentada.
Esse curioso e dramático episódio ocorrido numa cidade do interior serve para demonstrar a que minúcias chegaram a preocupação dos militares com o movimento estudantil e a repressão à liberdade de pensamento nas universidades do Brasil afora.
P.s. Não deixe de ler a coluna de hoje do jornalista Wellington Cardoso. Está simplesmente imperdível.
(*) Doutorando em História pela Unesp/Franca; professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira e da Facthus