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Pão e vinho

Nem todos já ouviram falar no Patrimônio dos Poncianos. É um pequeno povoado lá pelos lados de Conceição...

Padre Prata
thprata@terra.com.br
Publicado em 06/08/2017 às 10:48Atualizado em 16/12/2022 às 11:26
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Nem todos já ouviram falar no Patrimônio dos Poncianos. É um pequeno povoado lá pelos lados de Conceição das Alagoas. Deve ter mais de cem anos. Não progrediu. Cada vez mais a mesma coisa, como dizia Tia Mariquinha do Poço, a centenária avó do Sultão Prata, que morava por aquelas bandas.

Aí pelo ano de 1933, meu pai, fazendeiro na Estiva, foi escolhido como festeiro naquela localidade. Eu tinha uns dez anos, se tanto. Lá ficamos uns quinze dias, incluindo preparação, festa e desmanche. Não me lembro de muita coisa: de um jogo de futebol, de gente brigando num bar, de centenas de ratos num empilhado de madeira. Coisas sem sentido. Uma lembrança foi, porém, mais forte. Lembrança de uma pessoa. Do padre. Como fui criado na roça, não tinha muito conhecimento das coisas da Igreja. O certo é que eu tinha medo dele. Vestia-se de preto, com um estranho gorro de três pontas na cabeça e falava de um modo diferente. Mais tarde vim a saber que aquele gorrinho chamava-se barrete.

Pois bem. Estava eu dentro da capelinha, admirando uns adornos dourados e cintilantes. Para mim, uma beleza. Foi quando, não sei de onde saiu, o Padre Hurtado me pegou pelo braço, pôs uma nota de um mil réis na minha mão e mandou que eu comprasse uma garrafa de vinho ali no bar da esquina. Penso hoje que o vinho vendido naquele arraial devia ser um vinho ruim, tipo Chapinha ou Sangue de Boi. Cumpri o mandado. Pois bem, foi com aquela zurrapa que o padre celebrou a missa.

Anos mais tarde, já estudando Teologia, achei aquela atitude do Padre uma barbaridade. Era contra as regras. O padre, um indisciplinado.

Hoje, vejo diferente. Aquela missa foi celebrada com o vinho que aqueles pobres tinham. Eles nem sabiam o que era vinho canônico. Não sei o que se passava na cabeça do Padre Hurtado. Sei o se passava na minha. Eu estava programado. Cumpria leis, mesmo que não as entendesse.

Jesus, na Ceia, usou pão e vinho porque eram o alimento e a bebida do povo simples daquela época, do povo pobre. Todos eles, nas refeições, comiam pão e bebiam vinho, suco de uva. Se comessem pão de cevada, Jesus teria usado daquele pão. Óbvio.

Eu me lembrei do vinho do Padre Hurtado por causa de uma notícia que li há pouco. Numa pequena ilha, lá nos confins da Polinésia, havia uma pequena comunidade de cristãos. Pobres. Para eles, era difícil a aquisição de trigo e vinho para a celebração da missa. Tinham que importar e custava caro. O alimento básico deles era pão de milho e suco de frutas da região. Recorreram, então, às autoridades competentes e pediram permissão para celebrar a missa com pão de milho e suco de frutas. A permissão lhes foi negada. Hoje não consigo entender nem aceitar essa triste decisão da Cúria Romana.

Lembrei-me do Padre Hurtado. Celebrou a missa com aquele vinho de péssima qualidade. Creio que, para ele, o importante não era o vinho. O importante era não deixar aquela gente sem a Eucaristia.

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