Tião Rodrigues era bem-humorado, sempre tinha um causo pra contar, uma piada nova, uma lição de sabedoria, um gesto ao próximo. Criado às margens do rio Grande, no Chatão, soube ler as surpresas e as lições que a natureza nos traz com a vida. Um de seus filhos – Narcio Rodrigues – foi quem mais assimilou a cultura do campo e a herança abstrata deixada pelo pai. Criado, também, entre carros de boi, roda de violeiro e catireiro, cercado de prosas e contos, soube guardar as lições aprendidas com o pai e com a natureza. Cultivou o gosto pela leitura e música e fez do jornalismo a sua arma de comunicação. Fez-se, ao longo da estrada, um conciliador de propostas. Quando saiu do Chatão, carregou a matula de sentimentos aprendidos no campo, que ele nunca abandonou, e o aprendizado deixado pelo pai.
Certo dia, perguntou-me se eu sabia o que era paciência. Respondi que era uma virtude, que consiste em suportar os incômodos sem queixas com resignação. Sorriu, com os olhos matreiros de menino peralta.
Disse-me que seu pai lhe havia deixado uma fortuna enterrada no paiol no fundo de sua casa, lá nas barrancas do rio Grande. Escutou do pai, quando criança, que a fortuna ficaria lá enterrada, que ele deveria gastá-la aos poucos, ao longo da vida, usufruindo todas as vezes que precisasse. Era só ele atravessar o quintal, passar por entre bananeiras, goiabeiras, jabuticabeiras, mexeriqueiras, laranjeiras, romanzeiros, mangabeira e, depois, dar a volta no curral e entrar no paiol. E, assim, desenterrar o tesouro.
Menino de olhos de jaboticaba e de gestos de jaboti, de pensamentos rápidos, perguntou ao pai que herança era aquela e quando ele poderia desenterrá-la. Disse-lhe o pai: - a herança é a paciência, que deve ser usada sempre. E perguntou-lhe: - você sabe o que é paciência? O menino o olhou atento, aguardando a resposta. “Paciência, meu filho, é a arte de construir a paz”, disse-lhe o pai.
O menino adulto de hoje, relembrando Tião Rodrigues, disse-me: - paciência, professor, é a arte da construção da paz. E sorriu, com alegria e saudades. Essa visão craquelou minha concepção. Pensava a paciência somente como resignação a alguma coisa que nos incomoda e que queremos mudar. Mas ela, como ferramenta de construção, passava ao largo de minhas ideias. Quando nos apoderamos de novos conceitos, devemos vivê-los. Conceber a paciência como sujeito é atravessar a ponte da espera e usufruir da visão de que as coisas podem mudar quando as queremos diferentes. É como a esperança que visita o amor que não se rende; a alegria que se reparte por ser solidária.
O menino do Chatão cresceu, tem histórias para contar aos filhos, à neta, aos amigos... Por onde passa deixa novas amizades, não obstante o seu ofício ser um receptáculo para decepções e inimizades. Porém, todas as vezes que os pensamentos se conflitam, ele saca da herança enterrada lá no fundo paiol deixado pelo Tião Rodrigues.
(*) professor