ARTICULISTAS

Passos perdidos

Eu tinha por volta de quinze anos

Manoel Therezo
Publicado em 07/09/2013 às 19:57Atualizado em 19/12/2022 às 11:13
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Eu tinha por volta de quinze anos e morava em Jardinópolis (S.P). Uma família que residia em um pequeno sítio não muito distante, se tornou nossa amiga. Quando vinham, ficavam em casa. Uma família simples. Porque eram de estatura baixa, riam da minha altura e sem razão, do tamanho dos meus pés. Naquela família havia um filho farmacêutico, uma professora e mais dois outros com simples formação do primário. Esses dois eram puxadores de enxadas. Cultivavam uma lavoura distante donde moravam. Seguiam para lá na segunda e retornavam na sexta à tarde. As camas, sem vê-las, não há como se fazer ideia. Um senhor bem velho, cego de um olho, a toda hora enxugando o nariz, era o cozinheiro. Chamavam-no de “Colega”. Comiam pássaros, tatu, cobra e outros bichos. Estive lá com eles. No sítio, ficava de um dia para o outro, chupando algumas frutas e assistindo a uma roda d’água no fundo do quintal. Ali, permanecia embevecido com aquela roda até que fosse chamado para almoçar. Todos comiam com o prato na mão e muito pouco—bem ao contrário do meu costume de pratadas, principalmente aquele franguinho com milho cozido e arroz como sempre gostei; bem empapado. Quantas vezes, por vê-los deixando os pratos, com grande tristeza também deixava o meu. A casa era humilde, sem energia elétrica. Usavam lamparina a querosene que enfumaçava tudo. Sobre as camas, colchões barulhentos, preenchidos com palha de milho rasgadas. Por um buraco no lençol, fofavam aquelas palhas deixando-os numa altura engraçada. Um cachorro de cor preta, já velho, parecia gostar de mim. Ficava comigo assistindo aquela roda d’água. Quando eu ficava por lá, latia perto do quarto onde eu dormia. Diziam que ele não latia à noite. Era estranho. Certa manhã depois do café, me despedi deles e o voltei a pé para Jardinópolis como de costume. Aquele cachorro veio me acompanhando. Embora eu insistisse para que voltasse, não me atendia e ficava me olhando entristecido. Acompanhou-me até chegar. Numa alegria, banava-se todo por entre as minhas pernas. Percebi a sua amizade e comecei a gostar do danado. Comeu o que lhe dei. Arrumei o seu lugar para dormir. Logo pela manhã, fui vê-lo. Não estava mais—havia se levantado primeiro que eu. Olhei a rua, fui até a esquina e nada. Havia desaparecido. Onde poderia estar? Semanas depois, voltando ao sítio, lá estava ele. Como?!... Voltou sem errar o caminho? Quando me viu, veio ao meu encontro. Parecia se escusar por haver saído cedo sem esperar que eu me levantasse. Em outras vezes, voltou a me acompanhar. Dormia no mesmo lugar e cedo partia. Quando me levantava, ele já deveria estar chegando lá no sitio. 70 anos se passaram... Dias atrás, voltando para casa, perto dos Correios, um cachorro preto muito igual, passou a me seguir. Parece que somente a mim seguia. Assim que entrei no edifício onde moro, parou e ficou me olhando e esperando por certo. Vendo-o ali parado, voltei à lembrança dos meus quinze anos, daquele sítio, daquela roda d’água, daquele cachorro que parecia gostar de mim. Porque moro em apartamento, não o acolhi. Naquele momento pensei profund Como lhe foi inútil seguir-me os passos? Grande verdade!... Grande verdade!... Quantos iguais na vida são Passos Perdidos?

(*) Manoel- Marta@hotmail.com

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