Há cinquenta anos, a essa altura, já estávamos no quarto dia vivendo sob a égide do medo. O Brasil estava prestes a ter no seu comando o general Humberto de Alencar Castelo Branco, promovido ao posto de marechal para assumir o cargo máximo da nação no dia 15/04/1964.
Lendo o antenadíssimo jornalista Ruy Castro da Folha de São Paulo no artigo “Civis que conspiraram”, de 31/03/2014, anotei preciosidades que eu apenas ouvia aqui e ali, mas ninguém assinava embaixo. Refiro-me, pela segunda vez em sete dias, aos que mudaram de lado depois do golpe militar de 31/03/1964. Eis o que diz Ruy: “O deputado Ulisses Guimarães juntou-se à Marcha da Família, em São Paulo, às vésperas do golpe, e, com este vitorioso, não apenas votou pela cassação de JK por 10 anos como queria que fosse por 15. E o cardeal dom Paulo Evaristo Arns saiu de sua paróquia no dia 31 de março para benzer na estrada as tropas do general Mourão, que avançavam sobre o Rio de Janeiro. Sim, as pessoas mudam, algumas para melhor.” Todos esses adesistas de última hora, como se vê, mudaram de lado e depois posaram de bons moços como, aliás, temos tantos deles.
Visitei o coração do brigadeiro Eduardo Gomes exposto na Academia da Força Aérea em Pirassununga/SP, como fiz com o “bronze” do benfeitor Dr. Jorge Furtado que permanece no prédio antigo da nossa Faculdade de Medicina. Eu queria ver um terceiro coração; o de Juscelino Kubitscheck exposto talvez em Brasília, mas o seu acidente de carro ocorrido na Via Dutra no dia 22/08/1976 jamais me permitirá. Não lamento, entretanto, porque não me agradaria ver o coração de Nonô que, em vida, o teve mergulhado no formol do ressentimento devido às traições de bajuladores que trocaram de lado. Haja sofrimento para o homem que anistiou militares revoltosos e foi cassado a manu militari por generais que ele mesmo promoveu.
No Memorial JK na capital federal, diante da urna rígida e imóvel do nosso maior estadista, mantido sob luz de penumbra, não há quem deixe de se perguntar: “Por que Juscelino morreu tão brutalmente?” Esta é a pergunta que o tempo não consegue calar.
Sempre houve os entreguistas travestidos de solidários. Há quem diga que muitos dos mandatários de hoje, opositores ao duro regime de antão, só ascenderam na política porque passaram informações privilegiadas aos donos da repressão. Da Guerrilha no Araguaia à caçada ao indefeso Orlando Sabino, cognominado de “O monstro de Capinópolis”, incluindo o genocídio de índios, tudo, com o tempo, será desvendado. Quem é quem, certamente, terá o seu nome revelado pela verdadeira história.
Enquanto isso, nas raias do poder, reparemos: o opositor de hoje é sempre o aliado de amanhã.