A idade havia avançado quando se casou
A idade havia avançado quando se casou. Não negava que o que mais queria demorou a chegar. Queria se assossegar nos pensamentos, dar repouso aos gestos e se entregar à atenção de quem a quisesse. Pensava assim. Aquele dia foi interminável, queriam sair em viagem e se ver a sós, frente a frente, sem pudores. Cortaram suavemente o bolo e nem se despediram dos padrinhos. Saíram. Ao longo da estrada mantiveram acesa a fragilidade dos corpos, quando se querem em entrega. Só viram aquela curva, logo ali, à frente, quando o carro já descia ribanceira abaixo. Custaram a achá-los. Ela sobreviveu após um longo período de rezas. Desenganada, nem participou do funeral daquele a quem havia escolhido a conhecer as suas contrações femininas. Voltou à casa dos pais e tinha o hábito de ficar ali, naquela janela, voltada ao quintal onde se criavam galo e galinhas. Com os cotovelos sobre o aparador da janela, as mãos sustentavam o queixo, permitindo aos olhos a liberdade de correr canto a canto daquele quintal. Observava a tudo. Atentou-se naquela busca incansável daquele galo à única galinha disponível no seu quintal. Ele corria pra cima e ela o refugava. Em seu saber não poderia haver aquele comportamento. Ele insistia e ela escorregava entre penas. Ele queria porque queria. Ela se expressava evitando-o todas as vezes que as suas garras repousavam sobre o seu dorso. Esquiava. Ele insistia. Ela os observava. Aquele casal de acasalamento irregular e de busca regular a deixava, assim, pensativa e até começou a torcer por um deles. A natureza sempre tem algo a nos ensinar; pensava em sua solidão. Investiu tanto, que ela se viu obrigada a voar, embora não soubesse até aquele momento. Voou... Repousou ao lado daquela que se apresentava mais como uma boneca namoradeira de janela do que uma mulher. Do parapeito da janela ela observava aquele dançar e, agora embelezado pelo voo daquela galinha, que aterrissara ao seu lado, no parapeito da janela. Puderam olhar-se. A galinha mal se equilibrou e eis que o galo se apresentou ao seu lado, sem a mínima preocupação. Ao ficarem lado a lado, a galinha não esperou as suas tentativas e pulou pra dentro da casa, foi seguida pelo galo. Passou por cima do fogão a lenha, derrubando panelas, com o galo ao seu encalço. Ela agora olhava pra dentro da casa, observando aquela insistência do galo, que corria pela cozinha, entrava por debaixo das mesas e se aventurava a voos regulares e reduzidos. Aquela insistência masculina contrastava com o não querer feminino. Quando não se esperava, ouviu-se o som do término. É como se fosse preferível assim. A galinha voou passando pela janela, que a libertou para que pudesse correr livremente pela rua, até ser atropelada. O galo nem viu quem a recolheu. Enquanto lamentava que não houvesse podido compartilhar com quem amou e secou os seus suores, que escorrem como delícias em retribuição aos corpos, pensou; só morrendo mesmo quando não se quer.