Passando por uma das ruas da cidade, logo à minha frente, um menino sai correndo de uma casa. Uma senhora surge de uma janela e grita: “Dé qui cê vai, fio?”. A resposta veio imediata: “Vocuvô, mãe”. Você entendeu. Eu também. Mas, você já pensou num recém-aprendiz de nossa linguagem ouvindo a mesma coisa? Pensaria na hora: “Que língua é essa, meu Deus?”.
Nós, você e eu, que convivemos com o povão, entendemos o que foi falado e coisas até muito piores? Um exempl “Viu só, sô, quis coisa mais istrumbicada?”. Além da linguagem clássica, há uma estandartizada, outra familiar e uma outra popular. A popular é quase uma outra linguagem.
Nos dois primeiros séculos do Brasil, falava-se por essas bandas a chamada “Língua Geral” ou o conhecido “Nhenhegatu”, uma mistura de português com guarani. Só se conversava nessa língua. Era a linguagem da catequese. Os indígenas rezavam o Pai Nosso e a Ave Maria em nhenhegatu e, na mesma linguagem, eram feitos os negócios. Era a verdadeira língua brasileira, a “nossa” língua. Acontece que os portugueses que aqui aportavam nada entendiam. Houve reclamações dos cortesãos. Foi assim que o Rei de Portugal proibiu o uso de nossa linguagem. A língua falada em Portugal, por imposição da Corte, passou a ser a linguagem falada aqui também. Falamos português por imposição colonialista.
Em 1935, quando fui matriculado no Ginásio Diocesano, escrevíamos pela hoje chamada ortografia antiga: elle, paschoa, aquelle, astma, rithmo, cherubim, chimica, photo e assim por diante.
Aconteceu que, por engenho e arte dos entendidos, houve uma tentativa para melhorar a gramática. Assim apareceu um “progresso” na grafia (que antes era graphia). As coisas ficaram mais difíceis. Vieram termos estranhos: amàvelmente, admiràvelmente, pôr, pára, dêle (para não confundir com dele, do verbo delir). Para não confundir os homógrafos, um deles devia ser acentuado. Qual?
O pior, porém, estava por vir. Portugal, Brasil, Angola, Timor, e mais algumas ex-colônias, fizeram novo acordo. Li a Nova Lei. Conclusã não sei mais escrever corretamente. Tomo bomba em qualquer ditado. Não consigo aprender as novas regras para os termos compostos. Milhares de regras e regrinhas não me entram mais na cabeça. Até agora só conheço uma pessoa que não precisa ir ao dicionário, sabe tudo. Chama-se Iara Fernandes. Trabalha no grupo ao redor do Prefeito. Nada é publicado sem passar pela leitura dela.
Para mim, encontrei uma salvação. Escrevo aos domingos no Jornal da Manhã. Não me preocupo mais com palavras compostas. Lá dentro do jornal há um grupo para corrigir os novos analfabetos. Graças a Deus. O que escrevo sai tudo certinho.
(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro