Oi, filho, Deus o abençoe. Assim disse a mãe, já com seus 100 anos, ao receber na face um beijo do primogênito.
Passados alguns minutos, de repente aquela centenária genitora olha firme e demoradamente pro filho como que o estranhando e...: – Quem é você? Qual é o seu nome? – Eu me chamo Cláudio R. W. S. – respondeu-lhe o interrogado. Ah! Muito bem. Um filho meu tem o nome igual ao seu!
Cláudio, sabedor da esclerose materna e tentando agradar-lhe, prossegue o assunt – Eu gostaria de conhecer esse seu filho, meu xará, posso? – Hi! Até que poderia – disse-lhe a mãe. – Só que ele morreu há muitos anos. Risos respeitosos na sala diante de filhos, netos, bisnetos e tetranetos. Tal “falecido” estava ali, em carne e osso, diante da própria mãe.
O filho chora disfarçado, desperta a mãezinha daquele letargo mental, beija-a novamente, fica por mais uns minutos e se vai.
O dia de Cláudio, que prometia ser de calmaria, virou um cenário de agitada autoindagaçã – Meu Deus, compensa viver tanto? Por que essa degeneração mental? Fui confundido comigo mesmo por minha própria mãe? Se sou seu filho, o que me espera no futuro?
Nenhum de nós, por mais sensíveis que sejamos, a não ser quem já viveu ou vive tal drama, pode avaliar os questionamentos de Cláudio. Lembrar da pessoa que o gerou, lá nos seus anos de apogeu. Recordar as lições que recebeu junto aos irmãos para a formação do caráter. Rever a imagem paterna e materna sempre altivas e comparar tudo com o quadro atual realmente dói.
Quando ouvi os relatos que agora escrevo – confesso –, sofri com Cláudio. Refletimos depois e vejo o quanto repelimos erroneamente a velhice. Do tingir o cabelo a mentir a idade ou retalhar o rosto com cirurgias para não sermos velhos, tudo fazemos evitando “entregar o ouro”, como se a velhice fosse uma desonra. Só não optamos por morrer novos para fugirmos de simples rugas trazidas pela Lei do Tempo. Se lembrássemos do mal de Alzheimer, caduquice, incontinências, reumatismos, imobilidades entre outras provas que podem nos acometer pela idade, com certeza seriamos outras pessoas.
Já escrevi aqui: “Por que os asilos? - 01/10/1999 - e continuo perguntando, sem ter a resposta.”
Cláudio tem a mãe idosa, em estado de senilidade. Felizmente, ela não conhece o asilo. Ele não me disse, mas tê-la em casa e não hospedá-la naquele “hotel” sei que dá trabalho. Embora bem mais velho do que eu, posso passar-lhe uma experiência: Continue assim. Nas lágrimas da última despedida e depois da saudade, não pode estar o arrependimento. Pranto demais fora de hora é sentimento de menos. O cumprimento do dever de filho é julgado por Deus, e não pelas pessoas; elas se equivocam.
Cláudio, você é um exemplo.
Nota: Cláudio R. W. S. - nome fictício em um fato real.
(*) presidente do Fórum Permanente dos Articulistas de Uberaba e Região, membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro