Ele tem uma curvatura do tempo marcando o seu andar e o seu jeito de ser. Seus olhos trazem na íris uma vivacidade pelo gosto de viver e do caminhar ao longo de uma estrada percorrida com serenidade, digna daqueles que sabem por onde vão. Seus braços magros e sedosos embalaram filho e filhas, enquanto as suas mãos comandavam o trabalho à frente de oficina de automóveis. Criou a sua prole ao lado da esposa e lambem os netos e netas hoje. A sua singularidade de vida traduz aqueles heróis sem espetáculo social para ser um referencial entre aqueles que o conhecem.
De quem lê as minhas crônicas pouco saberei, mas ele eu sei que as lê. Quando chego ao colégio, pelas manhãs de sexta-feira, lá está ele ao pé da escada, observando a entrada dos alunos do colégio e, antes de cumprimentá-lo, ele me diz: “Gostei muito da sua última crônica”. Quando ele só responde ao meu bom dia em sorriso de quem ri para a vida, meu coração empobrece, a minha estima me exige melhor empenho e a minha mente me surta, por pura falta de dedicação minha às crônicas. Mas quando ele gosta, valeu o nosso empenho; meu e dos revisores dos textos.
’Tadinho, esses dias eu cheguei e ele se recuperava de uma dengue e, mesmo assim, estava no trabalho, por paixão pelo que faz. Lembro-me dele, há décadas, quando ainda era o disciplinador dos alunos do cursinho. Era severo com aquela meninada que estava ali para estudar e alguns queriam fazer do espaço um local unicamente de lazer. Lá estava o seu Hilário José a buscá-los e pô-los em sala de aula. Hoje, um pouco corrido pelo tempo, os seus passos são livres, calmos e lentos, mas sem perder o vigor de quem sabe por que está ali. Sobe e desce aquelas rampas como se estivesse em passarela que tudo vê e nada passa despercebido pelas suas intuições e conhecimento. Em festa de formatura de um de seus netos em medicina, perguntei-lhe se era feliz. De olhos miúdos em rosto pequeno, de cabeleira branca e corpo magro, ele me disse: - “Não tenho nada para reclamar”. Quem não gostaria em avançada idade ser grato à vida.
Sua esposa, dona Olésia Borges Oliveira, a companheira de estrada e de curvas, guarda a mesma suavidade compartilhada com seus próximos e com quem dela se aproxima. Talvez por isso as suas meninas e o seu menino sejam assim tão sublimes no jeito de acudir a família. Bela herança deixada em Marcela e em Arthur, hoje médicos, com quem tenho proximidades por serem filhos de Marquinho e Lilian. Esse Marquinho é um velho amigo de quem não me separo por pura teimosia dele. Ele me fala que não tem idade mais para ter outra amizade de 30 anos, por isso prefere me tolerar. Amém. Que seja sempre assim, sem nos enfraquecermos para novas conquistas, não necessariamente amorosas. Seu Hilário José Oliveira é quem mais nos une, com o seu afeto, às vezes azeitona outras vezes como azeite. Ele é, assim, para nós, aquilo que é o ideal. Envelhecer sem perder a beleza que há na vida; entregar-se ao trabalho sem que ele seja um desgosto no fazer; ter histórias que sejam compartilhadas, mesmo que elas não sejam somente vitórias. Se a dor em nada nos servir é porque não adiantou sofrer. O que vale, então, não é o sofrimento, mas como nos comportamos ao longo do sofrer. Ao sairmos do lado de lá, saberemos quem somos.
(*) Professor