Semana passada, foi aniversário dela. Lembro-me de quando eles se conheceram. Foi um encontro de destino. Não eram próximos, não pertenciam à mesma panelinha que, geralmente, se forma quando se frequenta o mesmo local. Homens e mulheres não toleram a todos, somente alguns. Ao longo da convivência descobriram a atração que havia entre eles.
Quando Evódio me disse que sonhara com a sua colega de trabalho e discorreu aquele seu sonho, quis eu ter sonhado aquele sonho. Ainda mais com ela, toda assim. Ela sabia de minha amizade com Evódio e, naquele dia, rondou-me com os olhos. Seu cabelo volumoso dava-lhe um ar felino e o seu andar solto era vento amparado por duas nuvens tentadoras. Não sei se fui raptado por ela em recordação desses dias ou se fui pego pela saudade do Evódio por ela.
Hoje eles não mais estão juntos. Quando se conheceram, os tempos eram diferentes, assim como os seus caminhos. Não havia probabilidade de eles se envolverem; não havia aridez íntima a requerer irrigação outra, nem era setembro. Simplesmente se conheceram. Ato contínuo nos nossos dias, como nas estações marcadas pela chuva, seca, pelo vento, frio, calor. Assim também são as pessoas. Algumas são ocultas, outras declaradas, difamadas, desejadas, assumidas. Há as desalmadas, amadas, ocultadas, casadas, trepadas. Haja pernas e nádegas em olhos de abraços que se querem em cantos sussurrados de segredos que, logo, logo, se tornam verdades desamparadas em mãos, sem dedos.
Lembro-me de quando eles se conheceram e, depois, se apaixonaram. Ela havia sonhado com ele também. Por isso me rondara naquele dia. Talvez quisesse falar de seu sonho. Eram intimidades sem que as houvesse, eram coragens em peitos acovardados. Caminharam em amores, com os seus encontros difíceis e circunstanciais, até se tornarem escandalosamente arriscados, embora nutridos, irrigados, encharcados de estações. Viveram essa coisa invisível que desce subindo as pernas e se agasalha em cochas de espera. E ali fica impudicamente. Desejo escondido em carro, deslocado cuidadosamente em tempo cravado em amor de ebulição, que não se adia. A pudicícia escorre entre dedos em brancas gosmas.
Lembro-me quando começaram; ele casado e ela noiva. Casou-se e ele continuou casado. Houve entrega. E quem não se entrega não saberá jamais o que é amor. Esconderijo de vontades, celeiro de medos e receios. Lembro-me quando se separam. Esfregaram as suas roupas internas, torceram seus desejos e estenderam no varal o medo. Houvera amor, excitação, inseminação... Dela não saberei, dele sim. Quando os vejo, separadamente, as estações estão largadas. “Penso que o outono dos sentimentos vem da certeza de que tudo é inútil. Menos a ilusão de se manter vivo... e continuar amando”.
(*) professor