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RELAÇÕES AMOROSAS LÍQUIDAS

Vera Lúcia Dias
veludi@terra.com.br
Publicado em 06/06/2016 às 08:54Atualizado em 16/12/2022 às 18:35
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 RELAÇÕES AMOROSAS LÍQUIDAS

Hoje, diante da proximidade do Dia dos Namorados, peço desculpas à Redação por exceder o espaço que me é concedido para filosofar um pouco sobre as relações amorosas de nosso tempo. Para tal, baseio-me no pensamento do sociólogo polonês Zygmunt Bauman que, de uma infância modesta com passagem por campos de refugiados, conseguiu ascender-se socialmente e firmar-se como professor universitário e autor respeitado internacionalmente.

Para este laureado pensador que criou o conceito de relações líquidas e o particularizou no livro “Amor Líquido”, na pós-modernidade as relações entre os indivíduos tendem a ser cada vez menos frequentes e duradouras.

Embora possa ser considerado como pessimista por alguns, eu desconheço alguém que tenha descrito tão bem os fenômenos que hoje vivemos.

Somos seres solitários vivendo numa multidão de solitários iludidos pelo número de amigos que alardeamos possuir nas redes sociais. Amigos?

Redes são construídas de buracos e marcadas pela facilidade de por eles se escapar. Nelas não temos afinidades, e sim conexões que podem ser deletadas e substituídas sem problemas. Menos trabalhoso do que romper relacionamentos que pedem explicações, desculpas e causam sofrimentos.

Na minha opinião, as relações hoje se iniciam e terminam sem sabermos como. Não há mais datas marcantes como no passado. Não se sabe mais o dia em que uma história começou ou terminou. Não existe a marca do primeiro beijo. Torna-se íntimo num dia e, no seguinte, o outro já não existe mais. Não há mais o cara a cara, o corpo a corpo, o olho no olho.

Alguns se tornaram até adeptos do sexo virtual, uma variação do prazer solitário com a fantasia de que o outro participa, mas sem ter trabalho de conquista ou sedução. O virar para o canto é substituído pelo desconectar-se sem café da manhã, sem promessa, sem futuro...

Não existe construção de laços afetivos. Há apenas conexões e desconexões! Simples assim! Isso para nós, que fomos construídos na lógica da permanência e da solidez, mesmo sabendo que nada é eterno, nos faz sentir feridos na alma pela liquidez das relações atuais.

Para Bauman, o buraco é mais embaixo, como costumamos dizer. O fenômeno em questão pode ser visto, também, nas esferas políticas. Numa sociedade de extrema descartabilidade, as “relações se desenvolvem com aquilo que já se tem, não com aquilo que ambos estão a fim de ter”, as pessoas não se arriscam a amar, a se entregarem e, no campo político, a militância se perde na falta do verdadeiro amor e da fidelidade a uma causa, a um objetivo, a um coletivo e acabam trocando de partido como se troca de parceiros.

Mas, voltando ao campo amoroso, hoje falta instrumento de socialização aos solteiros maduros. A rede social substituiu os locais de encontro porque neles não se sabe mais como se comportar ou se relacionar.Sente-se uma insegurança e uma incerteza que acabam prejudicando a capacidade de amar o outro. Por quê? Porque ele se torna um agressor em potencial que pode nos impedir de viver uma vida “livre” e, se é assim, ele vale o nosso amor?

Aqui se instala o paradoxo entre liberdade e segurança, ingredientes necessários para uma vida feliz, mas que dificilmente se equilibram, porque segurança sem liberdade se converte em escravidão, e liberdade sem segurança torna-se o caos que paralisa e impede de realizar projetos sólidos por medo de perdê-la.

Nesse contexto, não é surpresa o alto índice de casos de depressão e síndrome do pânico, porque torna-se muito difícil viver no fio da navalha entre o desejo de amar, que nos é ancestral, e as exigências de um tempo que coloca o amor como sonho negado e cada vez mais inatingível.

Para Bauman, a sociedade da incerteza em relação ao outro nos impede de viver a máxima moral do amor ao próximo como a ti mesmo e nega a dignidade do ser amado.

Nessa época de fluidez, apenas o instinto de preservação não é suficiente para a sobrevivência. Faz-se necessário fortalecer as instâncias morais que fortalecem as definições do eu e do outro para que haja relações mais humanizadas e menos animalizadas. Nas voltas que minha cabeça dá, pergunto-me: Ressolidificar as relações ainda é possível? De acordo com quais parâmetros e paradigmas? E me respond Como deve ter sido bom e mais fácil ter vivido na época dos amores sólidos!

Vera Lúcia Dias

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