Do exame de rotina para a mesa de cirurgia. A vida da advogada uberabense Giselly Maria de Morais, de 31 anos, virou de ponta cabeça no início do ano passado, quando ela descobriu, despretensiosamente, que estava com câncer de mama triplo-negativo, considerado o mais agressivo.
Segundo Giselly, ela vivia um momento incrível de sua vida, fazendo terapia, alimentando-se de forma saudável e focada no treino. “Decidi trocar o método contraceptivo para potencializar meu desempenho no treino, queria passar da pílula anticoncepcional para o dispositivo intrauterino, o DIU. E, em dezembro de 2021, minha ginecologista me passou uma bateria de exames, incluindo ultrassom de mama, para então colocar o DIU”, contou a advogada.
Na consulta, a advogada comentou com a médica que não faria o exame de mama, visto que era jovem e não tinha histórico de câncer na família. Em janeiro de 2022, faltando apenas o ultrassom de abdômen para concluir os exames, durante o procedimento, a médica sugeriu passar o ultrassom também no seio e ela aceitou.
“No momento do exame, do lado direito estava tranquilo, mas no esquerdo a médica demorou mais, ela pegou meu dedo e me mostrou um nódulo. Ele era palpável, mas como nunca tinha feio o autoexame, nunca percebi. Naquele momento, eu jamais imaginei que seria algo grave, sobretudo, porque em mulheres jovens é comum ter glândulas que facilmente são confundidas com nódulos”, conta Giselly, reforçando a importância dos exames de rotina, independente de idade e de fatores genéticos.
Após a descoberta do nódulo, Giselly marcou com o mastologista e conseguiu uma consulta um dia após a identificação do nódulo. A jovem realizou mais uma bateria de exames, incluindo mamografia e ressonância de mama. Com o resultado em mãos, a mamografia e a ressonância constaram como BI-RADS 0 e BI-RADS 4, respectivamente. A classificação BI-RADS ajuda a distinguir as lesões benignas das provavelmente malignas.
“A mamografia constou como se o nódulo não fosse maligno, já a ressonância veio como alta chances de ser maligno. É importante reforçar que mulheres jovens devem fazer o ultrassom e a ressonância. A mamografia pode não detectar devido a quantidade de glândulas mamárias e isso é muito pouco falado”, esclarece Giselly Maria.
Identificado o câncer maligno, a advogada conta que foi tudo muito rápido. Em 14 de janeiro de 2022 ela descobriu o nódulo no ultrassom e, um mês depois, ela teve o diagnóstico de câncer por meio da biópsia. Após o exame de imunohistoquímica, foi identificado que o câncer era o temido triplo negativo, com crescimento em 90%.
O câncer de mama triplo negativo (CMTN) representa, em média, 15% dos casos de câncer de mama no mundo. Comparado a outros subtipos, ele é mais frequente em mulheres jovens, sendo a sua prevalência maior em mulheres com menos de 35 anos. É considerado o mais agressivo entre os cânceres de mama.
“Quando recebi o diagnóstico, o meu mundo desabou. Tive meus momentos de revolta, chorei, esbravejei e gritei, pois sempre fui uma pessoa muito saudável e sem histórico na família, não entendia o porquê aquilo estava acontecendo comigo. Porém, tenho uma rede de apoio excepcional, incluindo família, psicólogo, amigos e meus médicos que sempre me acalmaram e reforçaram que a ‘cabeça boa’ é a parte mais importante para o tratamento”, desabafou.
De 14 de janeiro, quando descobriu o câncer, a 14 de março, quando fez a cirurgia, o nódulo cresceu 2 centímetros, sendo retirados 6 linfonodos no total, um deles, o sentinela. “Na biópsia da cirurgia, foi constatado que o nódulo já estava com 3.6 cm e tinha metástase no linfonodo sentinela. Em contrapartida, tinha partes livres de neoplasia (proliferação) no resto da pele e os demais linfonodos também estavam sem neoplasia. O que deu um alívio, porque encontramos o câncer no estágio 2, sendo possível fazer o tratamento”.
A jovem afirma não ter sentido nenhum sintoma. “Sempre digo que foi Deus e meus guias espirituais que me guiaram para esse diagnóstico”, completa Giselly.
Giselly é um caso de superação, pois o câncer de mama triplo negativo representa, em média, 15% dos casos de câncer de mama no mundo e é considerado o mais agressivo entre os cânceres de mama (Foto/Divulgação)
Após a cirurgia, o próximo passo seria a quimioterapia. Neste momento, o mundo de Giselly desabou mais uma vez, pois o sonho de ser mãe poderia ser afetado. “Fui informada que a quimio poderia me levar à infertilidade e a forma mais segura, caso quisesse ser mãe futuramente, seria o congelamento de óvulos”, explica.
O preço do congelamento de óvulos varia, em média, entre R$15.000 e R$30.000 por ciclo – ou seja, a cada tentativa de extrair material ovariano, a interessada deve desembolsar esse valor. Sabendo da situação, Giselly solicitou o congelamento dos óvulos ao plano de saúde, mas foi negado. Ela recorreu na Justiça e ganhou o direito de ter o congelamento dos óvulos coberto pelo plano de saúde. O caso foi julgado pela 2ª Vara Cível da Comarca de Uberaba, que condenou a empresa a realizar o congelamento sob pena de multa. Ação ainda está tramitando em fase recursal.
Com os óvulos congelados, Giselly iniciou a quimioterapia e outro momento terrível chegou, a queda do cabelo. “Como essa parte foi difícil. Passar pela quimioterapia e saber que os cabelos vão cair. Após minha primeira químio, eu não sabia se estava vivendo ou esperando meu cabelo cair, parecia não estar em mim. Apenas vivendo no automático. Mesmo assim continuei trabalhando e treinando normalmente, senão ia pirar literalmente”.
Foram quatro sessões de quimioterapias chamadas de vermelha, que são consideradas as mais fortes, de 15 em 15 dias (Foto/Divulgação)
Passados 14 dias da primeira sessão, a queda de cabelo começou. “Chorei bastante, mas já tinha comprado uma peruca loira lindíssima. No terceiro dia, depois que começou a queda, eu decidi raspar, porque aquilo me consumia muito. Raspei no dia 1º de junho de 2022, naquele dia eu não chorei, Deus me deu uma força muito grande. Uma força que nunca pensei ter, eu me senti aliviada. Usei a peruca apenas por uns 15 dias, mas depois decidi abrir mão dela, pois me sentia uma farsante usando algo que não era meu e decidi assumir a careca e, consequentemente, meu tratamento, tanto para a sociedade em que convivo, como nas minhas redes sociais. E foi ótimo, pois pude ajudar muitas pessoas expondo todo o meu processo”, afirma.
Foram quatro sessões de quimioterapias chamadas de vermelha, que são consideradas as mais fortes, de 15 em 15 dias. E quatro sessões de quimioterapias brancas, de 21 em 21 dias. Totalizando seis meses de tratamento. Posterior às quimioterapias, foram trinta sessões de radioterapia indicadas pelo médico Sérgio Otano. “As radioterapias foram as mais desgastantes. Foi o último tratamento realizado e era um procedimento diário e extremamente cansativo, por vezes precisei esperar horas e horas na fila no Hospital Hélio Angotti para fazer o procedimento”.
A jovem critica o estigma acerca do câncer como uma pessoa doente e acamada. “Aparecer careca para as pessoas e mostrar que há vida durante o tratamento é impactante para as pessoas, sobretudo, porque eu ia para academia careca e tudo mais. Muitos até pensaram que eu havia raspado por opção, pois ‘seria impossível uma pessoa treinar durante o tratamento de câncer’, relembra Giselly.
A jovem criticou o estigma acerca do câncer como uma pessoa doente e acamada, ela continuou frequentando a academia, dentro de suas limitações (Foto/Divulgação)
Mesmo sendo totalmente ativa fisicamente e com uma alimentação balanceada, Giselly conta que engordou quase 7 kg. “As pessoas associam o tratamento do câncer ao emagrecimento, mas nem sempre isso ocorre, pelo contrário, muitas pessoas engordam e é bastante difícil voltar ao corpo de antes. Agora sinto meu corpo ‘voltando ao normal’ e respondendo um pouco melhor, no que tange a perda de gordura e inchaço. Durante o tratamento a gente toma muito remédio, incluindo corticoide e também há a menopausa precoce o que faz a parte hormonal desregular”.
A advogada considera que a atividade física ajudou a amenizar os efeitos do tratamento e a manter o equilíbrio mental. “Com 15 dias após a cirurgia já voltei a treinar dentro das minhas limitações, me ajudando a melhorar em 90% meu pós cirúrgico. Não tive nenhum tipo de linfedema na região do braço esquerdo, acredito que por conta da massa magra, ajudando a atenuar os efeitos das quimios. E, durante a radioterapia, o treino ajudou a não ter fadiga, como muitos relatam ter. A atividade física salva vidas e eu sempre gosto de frisar e abordar a importância dela em nossas vidas”.
Durante o processo de tratamento, Giselly divulgou nas redes sociais os processos realizados. “As pessoas vibram pela minha felicidade, como, por exemplo, quando compartilhei sobre meus cabelos crescendo, e isso só mostra que há sim bondade na humanidade. Às vezes recebo mensagens de pessoas dizendo se espelhar em mim para serem fortes e resilientes. Pessoas que dizem se inspirar em mim e começaram a fazer atividade físicas. Isso para mim foi e é recompensador”.
Desde o início, Giselly afirma que sempre mentalizou a cura, mas que não é um processo tão simples. “O câncer é uma doença silenciosa e cruel. Por mais que tenha muitos estudos não há uma certeza... assim como em nada na vida. Veja, eu não tenho histórico algum de câncer na família e tive câncer. Como fui obesa, atribuo ao câncer a má alimentação e sedentarismo daquela época, entretanto, mesmo que hoje eu me alimento bem e sou ativa na atividade física, não significa que não terei uma recidiva. Então é muito incerto”.
A jovem diz lutar todos os dias contra ansiedade. “A incerteza traz muita ansiedade e medo. E, por mais que fui muito positiva e levei meu tratamento com leveza, não posso dizer o mesmo do pós tratamento de câncer, que está sendo muito difícil. Esse mês tive diversas crises de ansiedade. Sinto como se estivesse me isolando mais e mais no meu mundo de incertezas para não preocupar as pessoas a minha volta com meus pensamentos acelerados. Não foi e nem está sendo nada fácil, mas mesmo assim eu não permito cair. Posso ter dias ruins, mas deixo que tome conta da minha vida, afinal, ela está aí para ser vivida, independente do câncer ou não”.
É necessário fazer exames de acompanhamento de três em três meses, mas Giselly está sempre indo aos médicos. “Sempre que aparece algo de diferente, eu já marco uma consulta. Consequências do câncer... onde tudo dá medo, mas fora isso, os efeitos das quimioterapias reverberam em nosso corpo e vira e mexe aparece algum sintoma”.
Em meio às incertezas, a advogada considera que o câncer veio para ensinar. “Ensinar sobre tudo. A dar valor às pequenas coisas, como acordar bem e com disposição. Eu senti um crescimento pessoal muito grande. Comecei uma especialização na área que amo trabalhar, que é direito imobiliário e estou com alguns projetos profissionais. É como se minha mente tivesse se expandido de uma forma que nem sei explicar. Comecei a sonhar alto... Quero crescer e ser uma pessoa melhor, em todas as áreas da minha vida. Mais do que isso, pude ver o tamanho da minha força e o poder dela em minha vida”.
“E, como meu psicólogo mesmo diz, tenho que ir vivendo um dia de cada vez. Ter medo na vida é normal, mas não posso deixar de viver. Quando chegar a nossa hora de desencarnar, vai acontecer, estando com câncer ou não. Então tenho tentado levar a vida da melhor forma possível, sem me cobrar tanto... aos poucos sinto que tudo está voltando ao normal”, finaliza.
Giselly afirma que o pós câncer tem sido tão difícil quanto o tratamento em si, considerando uma luta contra ansiedade (Foto/Divulgação)