SAÚDE

De 8 a 12 anos: diagnóstico de endometriose ainda acontece após anos de dor intensa

O que torna o cenário ainda mais preocupante é a demora para um diagnóstico preciso da doença

Publicado em 16/07/2022 às 18:58Atualizado em 18/12/2022 às 20:43
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A endometriose é considerada uma doença enigmática, pois, apesar de existirem várias teorias, sua origem verdadeira ainda é controversa

Atualmente, estima-se que a endometriose afete entre 2% e 10% das mulheres em idade reprodutiva, representando mais de 190 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo. Para o médico ginecologista e especialista em Reprodução Humana, Ricardo Pimentel, um dos pontos mais dramáticos da doença é sua relação com a infertilidade. “Até 50% das pacientes que têm dificuldade para engravidar podem ter endometriose”, afirma. Mas o que torna o cenário ainda mais preocupante é a demora para um diagnóstico preciso da doença.

Como o especialista reforça, sem o uso do exame adequado, feito por um profissional capacitado, casos como o da cantora Anitta, que convive com os sintomas da endometriose há nove anos, infelizmente ainda são comuns. Assim, muitas pacientes acabam passando por uma grande redução de suas qualidades de vida, causada por cólicas menstruais intensas, dor de profundidade na relação sexual, dores crônicas acíclicas, presença de sangue nas fezes e urina durante o período menstrual.

Também por isso, Ricardo Pimentel acredita que a endometriose deveria ser considerada como um problema de saúde pública. Como explica ele, essa doença tem potencial para impactar diretamente na qualidade de vida da mulher, comprometendo o seu desempenho em atividades físicas ou rotineiras, sua vida social, educação, desempenho profissional, relacionamento conjugal e até mesmo sua saúde mental e emocional.

As causas da endometriose ainda são incertas. A endometriose é considerada uma doença enigmática, pois, apesar de existirem várias teorias, sua origem verdadeira ainda é controversa. Ela pode ser incluída no grupo das doenças inflamatórias crônicas e é definida pela presença de tecido semelhante ao endométrio – embora se comportem de forma parecida, não necessariamente são células endometriais – fora do útero, em locais como bexiga, intestino, ovários, ligamentos e regiões extra pélvicas, como cicatriz umbilical e diafragma.

“Apesar de sua origem ser provavelmente multifatorial, envolvendo fatores genéticos, hormonais, inflamatórios, imunológicos e anatômicos, uma das teorias mais comumente aceitas é a da menstruação retrógrada. O especialista afirma que as trompas são canais pérvios que comunicam a cavidade uterina com a abdominal, sendo possível, portanto, que o conteúdo de dentro do útero caia na pelve. Em local ectópico, ela deveria ser combatida pelo sistema de defesa, que também falha, permitindo sua proliferação”, esclarece.

Outro dilema está relacionado ao seu diagnóstico, como ilustra o caso da cantora. De fato, a média de tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico da doença pode levar de 8 a 12 anos. O especialista lembra que até pouco tempo o método diagnóstico “padrão ouro” era a Laparoscopia, praticamente uma abordagem cirúrgica. Contudo, hoje foi substituída pelos métodos de imagem, como o ultrassom e a ressonância magnética. Com eles, quando realizados por um profissional capacitado, já é possível alcançar altos índices de acurácia.

De dores crônicas à infertilidade. A endometriose é mais comum em mulheres em idade reprodutiva. Isso acontece porque afeta um tipo de tecido responsivo a hormônios, principalmente estrogênio-dependente. Ainda assim, suas consequências clínicas podem perdurar para além da pós-menopausa. Além dos sintomas mais comuns já mencionados, a doença pode se manifestar com quadros atípicos, tais quais fadiga, dores no ombro ou pneumotórax cíclicos e sangramentos umbilicais. Também por isso é importante ter atenção especial com adolescentes com quadros de ausências escolares cíclicas e início de uso de pílula anticoncepcional precoce para controle de cólicas recorrentes.

Apesar de ainda haver extenso debate na literatura, o médico afirma que a endometriose dificulta a gravidez por dois motivos principais, por distorcer a anatomia e por tornar o ambiente pélvico tóxico. “O que acontece é que as estruturas começam a aderir umas às outras, ou seja, o ovário gruda no útero e com isso a trompa vai junto, bem como intestino, bexiga e por aí vai. Assim, estruturas importantes para a fecundação, como as trompas, não conseguem exercer o seu papel de buscar o óvulo para permitir o encontro com o espermatozoide”, argumenta. Da mesma forma, sempre que a paciente menstrua, o tecido secreta substâncias que deixam o ambiente tóxico, do ponto de vista inflamatório.

Tratamento e chances de gravidez. Os focos principais do tratamento são lidar com o aspecto da dor (componente hormonal e anti-inflamatório) e o da infertilidade. O ginecologista explica que enfoque da dor envolve terapias hormonais, como pílulas combinadas ou métodos progestagênicos isolados, como dispositivos intrauterinos e o implante subcutâneo, associado a uma completa mudança no estilo de vida, adotando hábitos saudáveis baseados em uma boa alimentação e atividade física regular, que ajudam a combater o componente inflamatório da doença. “Somente em casos específicos, principalmente dor refratária ao tratamento clínico e complicações como a obstrução intestinal, o tratamento cirúrgico é indicado”, argumenta.

Já para as pacientes que desejam engravidar, o especialista em reprodução humana ressalta que a fertilização in vitro é hoje o tratamento que oferece as melhores chances de sucesso. Mesmo nos casos de doença em estágios avançados, as técnicas de reprodução assistida conseguem devolver boas chances de sucesso à paciente, a depender de outros fatores de infertilidade. “A endometriose distorce a anatomia pélvica, mas na fertilização in vitro não precisamos das trompas, já colocamos o embrião direto na cavidade uterina. Ela também deixa o ambiente pélvico tóxico, mas, como aspiramos o óvulo antes do fenômeno ovulatório, ele não entra em contato com esse ambiente”, destaca.

De acordo com Ricardo Pimentel, já existem vários trabalhos comparando mulheres da mesma idade e reserva ovariana, com e sem a doença, com resultados de gravidez semelhantes. “É importante frisar que a estimulação ovariana controlada, necessária durante o tratamento, não piora o quadro e nem aumenta as chances de recidiva da doença. Além disso, já é sabido que o simples fato de ter endometriose não aumenta a probabilidade de o embrião ser alterado geneticamente”, pontua.

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