Aumento de despesas médicas é apontada como principal causa de rombo entre as operadoras de saúde (Foto/Freepik)
De um lado, cerca de 50 milhões de brasileiros apertando o orçamento e se queixando dos serviços prestados pelos planos de saúde. Do outro, operadoras amargando seis trimestres consecutivos de prejuízos operacionais. A conta não fecha, mas os reajustes nos valores dos planos devem chegar em breve ao consumidor.
Nenhuma entidade consultada pela reportagem de O Tempo quis informar a estimativa de aumento que será repassado aos clientes neste ano, mas a previsão do banco Citi é de um incremento de 10% nos valores. O cálculo foi feito com base nos números da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nos nove primeiros meses de 2022 e o IPCA de 5,79% no ano passado.
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) informou, em nota, que aguarda o anúncio do índice de reajuste dos planos de saúde por parte da ANS. Entre maio do ano passado e abril deste ano, a agência fixou em 15,5% o teto para correção nos planos individuais e familiares. No caso dos coletivos, que abarcam 82,1% dos beneficiários, os valores são livres.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) se reuniu com a ANS no início de março para defender uma melhor regulação de planos coletivos, especialmente quanto à limitação de reajuste anual e à proibição do cancelamento unilateral pelas operadoras.
Uma pesquisa da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab) de Assistência Médica, divulgada em junho do ano passado, mostrou que 47% dos beneficiários precisaram ajustar o orçamento para não perder o plano de saúde.
“A falta de regulamentação deste tipo de plano permite que incidam sobre eles percentuais frequentemente muito superiores aos já exorbitantes reajustes de planos individuais, de forma ainda menos transparente”, afirma Marina Paullelli, advogada do programa de Saúde do Idec. O Instituto espera que essa discussão avance em 2023.
Recorde de despesas médicas gera rombo, argumenta setor
Em um artigo divulgado em fevereiro deste ano, Vera Valente, diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as maiores operadoras do país, afirmou que as receitas das mensalidades dos contratantes não têm sido suficientes para bancar as despesas assistenciais. “Apenas em 2022, até setembro, o rombo acumulado chega a R$ 11 bilhões”, estimou.
A sinistralidade média, repasse do que foi arrecadado às prestadoras, ultrapassou 90%, uma marca histórica no setor e um aumento de 21,1% em comparação ao ano de 2021. Segundo Marcos Novais, superintendente executivo da Abramge, isso é resultado direto de despesas muito elevadas e reajustes insuficientes ao longo dos anos. “Para se ter ideia, antes da pandemia, a margem de sinistralidade girava em torno de 83%, o que já era apertado”, diz.
Para Alessandro Acayaba de Toledo, presidente da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab), a necessidade do reajuste no valor dos planos está intrinsecamente relacionado à sinistralidade. Segundo ele, os tipos de procedimentos que são realizados, a forma e a quantidade de vezes que são feitos representam uma fatia importante do incremento aplicado. “Não é simplesmente um reclame do alto custo. Isso advém, obviamente, da prescrição médica. Muitas vezes não se observa a efetiva necessidade de um determinado procedimento em detrimento a outro e assim por diante. Acúmulo dessas situações acabam acarretando um reajuste”, argumenta.
Para Novais, da Abramge, o recorde de despesas médicas com reembolsos de beneficiários é fruto de fraudes, em especial as relacionadas a reembolso. “Exemplos disso são os reembolsos duplicados de consultas e demais procedimentos, empréstimo e falsificação de carteirinhas e a disponibilização do login e senha de acesso aos dados do próprio plano de saúde para o prestador de serviços pretensamente ‘ajudá-lo’ na liberação de procedimentos e processos burocráticos”, detalha.
Ele explica que tais comportamentos afetam diretamente a situação financeira do plano, onerando a mensalidade de todas as pessoas que estão vinculadas à saúde suplementar. “Acabamos de passar por um enorme desafio que foi a pandemia, o que exigiu um investimento ainda maior do que o programado para que o sistema privado de saúde não enfrentasse um colapso. Foram abertos milhares de leitos com forte investimento em infraestrutura, compra de equipamentos como respiradores e treinamento de pessoas”, observa Novais.
Em nota, a FenaSaúde afirmou que o reajuste dos planos de saúde é indispensável para garantir a manutenção da oferta da assistência médica a seus beneficiários. “O reajuste é um mecanismo que permite recompor a variação dos custos em saúde, dentre eles o aumento do preço de medicamentos e insumos médicos; o crescimento da utilização dos serviços dos planos pelos beneficiários; a incorporação de novas coberturas obrigatórias, como terapias, medicamentos e procedimentos; a ocorrência de fraudes; e a judicialização da saúde”, destacou a entidade.
Para a Abramge, além de combater as fraudes, é preciso rediscutir os critérios de incorporação e de acesso às tecnologias de saúde, principalmente as voltadas a múltiplas terapias de uso contínuo e as terapias de altíssimo custo.
Recentemente, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, determinou que o atendimento multidisciplinar a autistas, incluindo a musicoterapia, deve ser coberto pelo plano de saúde Amil. A decisão foi comemorada por famílias de pessoas do espectro do autismo, porque serve de precedente para outros julgamentos similares.
Planos são campeões de queixas
Em 2023, os planos de saúde ficaram, mais uma vez, no topo do ranking de reclamações dos atendimentos do Idec em 2022, revelou uma pesquisa divulgada pelo instituto em março. Desta vez, com a maior porcentagem de queixas desde 2018, alcançando 27,9% do total dos registros. Apenas em 2020, durante a pandemia, os planos perderam a liderança da área mais problemática para os serviços financeiros.
Entre as principais queixas estão dúvidas a respeito de contratos (27,4%), seguida por falta de informação (18,1%) e reajustes (13,7%). No tema de contratos, as principais reclamações na atualidade estão relacionadas a problemas com mudanças e descredenciamento de prestadores na rede de atendimento.
Marina Paullelli, advogada do programa de Saúde do Idec, lembra que a informação é um direito básico do consumidor, previsto em lei. “As operadoras são obrigadas a explicar como o reajuste é aplicado e tirar quaisquer dúvidas do consumidor. Além disso, o consumidor tem o direito de ter uma cópia do contrato de seu plano de saúde”, informa.
Ela explica que, no caso dos planos individuais, a fórmula elaborada pela própria ANS representou um enorme avanço em termos de transparência e possibilidade de reprodução. Já no caso dos planos coletivos, a dificuldade para acessar tais informações é maior, porque não há uma fórmula única para todos os contratos ou um teto anual.
“Os reajustes variam entre os contratos e, na prática, o acesso aos dados de reajuste não é facilitado, a ponto de as pessoas consumidoras iniciarem ações judiciais para questionar os altos percentuais aplicados em seus contratos e de ser um dos temas mais reclamados no Idec”, explica.
Fonte: O Tempo