De tempo em tempo, quando aparece uma expressão nova, o povo a desgasta até a sua última vogal. Assim aconteceu com a Globalização, Imperdível, Parceria e outras ainda esperando o desgaste com Formatação e Sustentabilidade. Agora, lá vem SERENDIPIDADE. Feíssima expressão. Horrível... Com certeza, não cairá no gosto do povo porque o seu emprego está no mundo da ciência farmacológica. Lemos que foi sugerida pelo escritor inglês, Horace Walpole, para designar o dom de achar coisas casualmente. Não se referindo ao termo SERENDIPIDADE e sim, ao fato casual, Louis Pasteur, inventor da pasteurização e da vacina antirrábica, dizia que, “O acaso só favorece a mente preparada”. Tanto na ciência quanto na técnica, é necessário que o pesquisador tenha a mente voltada para o assunto. Quando assim, coisas prosaicas podem para o espírito preparado, trazer grandes soluções, mas nada podem significar ao desinteressado. Uma criatura sem tal objetivo, sonhando com cobras, pode aproveitar a deixa e jogar no Bicho – mas, para o químico Friedrich Kekulé, considerado o pai da Química Orgânica, o seu sonho com uma cobra, lhe trouxe a solução tão procurada na estrutura do benzeno, molécula chave dos compostos orgânicos. Vem a história contando algumas descobertas nascidas na explosão do acaso. Em 1889, Josep Mering e Oscar Minkowski, estudando a função do pâncreas na digestão do animal, tiraram o referido órgão de um cachorro para ver o que acontecia. No órgão propriamente, nada que pudesse surpreendê-los. Curiosamente, perceberam que as moscas no laboratório haviam aumentado, disputando alvoroçadas a urina do cachorro. Casualmente ficou descoberto que a urina do cachorro estava inundada de açúcar, indicativo do Diabete, mas não cuidaram da medicação para a doença. Trinta e dois anos depois, Charles Best e John Macleod, da Universidade de Toronto, Canadá, também por acaso, descobriram a Insulina, medicamento de controle da disfunção do pâncreas. Nada cita a literatura dessa casualidade. Outro medicamento que surgiu também de “um sem querer”, é o ácido acetilsalicílico. O químico Felix Hoffman procurava um germicida (fenólico) para o tratamento de infecções. Para tal finalidade, nenhum resultado. Usando-a espontaneamente, pacientes notaram que a substância era analgésica e abaixava a febre. Hoje conhecida por Aspirina. O mesmo ocorreu com a Clorpromazina, aplicada como anestésico. Os pesquisadores Jean Delay e Pierre Deniker ficaram surpresos com a quietude e a passividade dos eufóricos pacientes que a tomaram. Experimentaram a medicação como tranquilizante em pacientes maníacos depressivos e esquizofrênicos. Puderam eles voltar para casa mantendo uma vida quase normal. “Depois de tantos erros, descobriram que em dosagem elevada, provocava os sintomas da doença de Parkinson”. Percebe-se que a casualidade está presente em muitos medicamentos e, quem sabe, a cura possível de muitas doenças tidas ainda como incuráveis, esteja dormindo num frasco empoeirado no laboratório à espera de um feliz acaso?
(*) Odontólogo; ex-professor universitário (Odonto Uniube)