Na semana passada, presenciei fenômenos atmosféricos que me levaram aos tempos (bem longínquos) de criança. O primeiro deles aconteceu numa tarde;
Na semana passada, presenciei fenômenos atmosféricos que me levaram aos tempos (bem longínquos) de criança. O primeiro deles aconteceu numa tarde; caía uma chuva mansa, sem raios e trovões. Uma chuva que costumávamos chamar de "chuva de molhar bobo".
A impressão que tal chuvisco nos oferece é a de que não vai molhar nada. E as pessoas se arriscam a enfrentá-lo, com vontade, sem receio de se encharcarem. Porém, ao chegarem ao seu destino, verificam que ficaram ensopadas. Chuva enganosa, como há tempos eu não via.
E a chuvinha continuou a cair, mansa e enganosa, molhadeira de plantas, até que um sol forte brilhou no céu. Era aparecer chuva com sol e todo mundo logo dizia: ¨É o casamento da raposa." Coisa do folclore.
Há outras duas explicações folclóricas para esse fenômeno simultâneo de sol e chuva: "Sol e chuva, casamento de viúva; chuva e sol, casamento de espanhol." Talvez frases criadas pelo encantamento da rima, quem sabe?!
E na mesma tarde, com aquela chuva mansa e o sol brilhando, eis que surge um maravilhoso arco-íris. A impressão era de que o fim do arco-íris estava logo ali, no Parque do Mirante ou Parque das Acácias. Como eu estava bem pertinho do local, rumei o carro para lá e pude constatar que, realmente, ali estava o final do belo espetáculo de um arco-íris mostrando todo o seu esplendor.
Fiquei admirando tudo e me lembrei, lógico, de que poderia pegar o pote de ouro que dizem existir no final do arco-íris. Só então reparei que o arco imenso não acabava exatamente ali no parque, mas um pouquinho adiante. Entretanto, esse pouquinho se tornou uma grande distância, pois o fim do grande arco vai se afastando quando dele nos aproximamos. Desisti, então, de pegar o pote de ouro.
Tais fenômenos eram bastante comentados em outras épocas. Hoje também acontecem com frequência, só que estamos tão ocupados com tarefas inacabáveis, que não temos tempo de admirá-los. Ficamos grudados na televisão, a ver o estrago dos temporais em várias cidades, torcendo para que eles fiquem bem longe de nós. Longe de nós ficam, também, os bons e bonitos momentos que a natureza nos oferece.
Da garagem fico observando a enxurrada escorrer pela rua. E não me atrevo a colocar na corrente um barquinho de papel, coisa tão comum antigamente. Nestes tempos é preciso saber que o barquinho pode entupir a canalização e causar enchentes no centro da cidade. Só um barquinho, é claro, não faria tanto estrago. O problema é que ele vai se juntar a milhares de pedacinhos de papel e a outros tantos lixos que são lançados ao chão. E tanto lixo causa problemas, sim. Assim o barquinho de papel, para o bem de todos, deve ficar somente na lembrança.
E acabamos nos contentando hoje em apenas imaginar o casamento da raposa, ainda que misturado com viúva e espanhol e com outras tantas lembranças da nossa infância.
(*) membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro
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