Há quem diga que, antigamente, tudo era melhor. D. Maria, que chegou quase aos 100 anos, discordava. Falando sobre a vida, eventos grandes e pequenos, o dia a dia com suas dificuldades e pequenos encantos, dizia bem assim: “Se alguém te disser que antigamente era tudo melhor, não acredite. Algumas coisas eram, de fato, melhores. Mas hoje aparece tanta coisa boa a cada dia, que a gente vai querendo viver mais, só pra aproveitar”.
O que acharia D. Maria da moda dos podcasts? Quando apareceu a TV, foi decretada a morte do cinema e do rádio. Por que alguém ia querer sair de casa para ver filmes, ou apenas ouvir histórias e notícias, quando podia ter tudo isso no conforto do lar, com imagens, e no próprio sofá? Pois não acabaram nem o cinema nem o rádio. Verdade que o hábito de ouvir notícias, para muitos, transferiu-se para o carro, principalmente nos grandes centros em que o percurso casa-trabalho quase dá tempo para fazer uma faculdade. Não apenas não morreu, como segue se expandindo, agora em formato digital e disponível ao gosto do freguês, à hora e por quanto tempo desejar. Só mudou de nome, virou podcast.
Os assuntos e formatos são os mais variados e pode-se até acelerar ou abrandar a velocidade, para maior conforto. O mundo é o mercado ao alcance de qualquer um que queira se sentar em frente a um microfone e falar. Com poucos recursos, é possível incluir uma vinheta bem feita e um ouvinte desavisado não saberá se ouve material gravado num estúdio profissional ou no único canto disponível na casa de um neófito motivado.
Neste início de 2021, um fenômeno surpreendeu o mundo desses conteúdos digitais. Por algum tempo, entre os podcasts mais baixados em uma popular loja virtual estava um com material não exatamente inédito. Com o autoexplicativo título de Bible in a Year (Bíblia em Um Ano), pretende percorrer todo o Livro, do Gênesis ao Apocalipse, em 12 meses. Todos os dias, o Padre Mike Schmitz lê uma passagem da Bíblia e depois faz um pequeno comentário. Ajuda muito que o Padre Mike tenha traquejo, jeito de artista e experiência como palestrante, além de uma voz perfeita para a tarefa. Mas ler a Bíblia?! Alguém se lembrou de pensar que o livro mais lido do mundo talvez precisasse de mais uma voz, e acertou. Como todo projeto que vê a luz do dia, vinha com esperança de sucesso, porém a liderança sobre alternativas consagradas, produzidas por grandes redes e nomes conhecidos, apanhou todos de surpresa. A explicação? Quem sabe? Os idealizadores arriscam a hipótese de que as pessoas estão com fome de Deus. É bem possível.
E a D. Maria? Aposto que, vendo isso tudo, diria: “Não falei?”
Ana Maria Leal Salvador Vilanova é engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
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