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Tormentos

Almoçaram juntos, estavam sentados lado a lado

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 12/11/2013 às 19:45Atualizado em 19/12/2022 às 10:16
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Almoçaram juntos, estavam sentados lado a lado em palestra de autoajuda. Tornaram-se preguiçosos da leitura e, portanto, passaram a frequentar palestras desta natureza. Sentiam-se mais refeitos do que quando liam. Evódio sempre gostou do estilo de refazimento por meio da autoajuda. Ninguém nega que há certos momentos na vida de que sozinhos não se dá conta das porradas. É preciso vários amuletos e, dentre eles, a autoajuda se apresenta no rol das possibilidades acessíveis. Penso que esteja errada a expressão; autoajuda. Sendo auto, então não deveria vir referendada. Se vier, então, não é autoajuda e, no mais, ninguém consegue por si só superar a dor. O que pode ocorrer é se municiar de fundamentos obtidos na leitura e aplicá-los no dia a dia sofrido, quando se têm perdas naturais do caminhar. Os dentes e a pele ficam diferentes com o tempo, mudamos. Quem nunca se olhou no espelho e se assustou? Evódio tem um amigo que se tornou irreconhecível e passou a ter crise de identidade. Há quem acredite que a questão humana e da dor estejam relacionados ao mundo filosófico, inobstante estarem travestidos de amuletos vários. Mas não importa isso agora. Estavam eles lá sentados, ouvindo o palestrante. Falava da importância do ser, de seus átomos que compõem o universo e a nós, das partículas comunicantes. Do destino não traçado, mas desenhado pelas próprias mãos, todos os dias. Dos encontros já constituídos, à espera do tempo. Da capacidade de dissolver o caminho traçado e de se reinventar, que a vida não é só dores e quando elas chegarem não devemos utilizá-las como fator de autopiedade. Falava-se de um Deus, princípio de tudo, que não se distancia de suas criaturas, mesmo que elas queiram. Não SE intromete no quotidiano a menos que queiramos. Que era preciso louvar e repensar o viver a cada instante, mesmo quando se é feliz. Não esperar o infortúnio ou a infelicidade para buscar um sentido no existir. Que o corpo fala, por isso nossas emoções devem ser expressas para que não haja mal-entendidos. Ou contidas para que o outro não saiba e, portanto, não faça julgamentos sobre a sua pessoa. Quando se deu o intervalo, Evódio viu o companheiro de palestra resmungando no banheiro porque não tinha álcool para higienização das suas mãos. Ele estava de cabelos molhados, mãos lavadas e um tufo de papel se enxugando. Seguiu-se para a fila da refeição e o viu limpando os seus talheres com o guardanapo. Limpava-os vagarosamente. Passava o guardanapo no prato, depois o abria e o dobrava ao contrário, passava-o no garfo e na faca. Enquanto isso, a fila o esperava. De prato feito e cheio, procurou uma mesa no canto e começou a se alimentar. Evódio, julgando-se próximo, sentou-se à sua mesa, em companhia alimentar, porém, não houve reação de seja bem-vindo. Sentados, não conversaram, comiam cerimoniosamente. Em silêncio. Comeram como comensais. Evódio quebrou a indiferença e se apresentou, mas ficou impedido de ouvir o nome do companheiro, que havia se engasgado com um mosquito na hora de se apresentar.

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