Enquanto todos faziam cálculos para o imposto de renda, eu sofria com cálculos na vesícula. De repente uma das pedras migrou para o canal colédoco e, dentre outras emoções provocadas pela colangite (inflamação de canal biliar), por quarenta dias precisei carregar, digamos, charmoso acessóri uma sonda que, colocada através da pele, internamente atingia a via biliar e externamente recebia uma bolsa para drenar a bile.
Agora, finalmente livre do acessório (Alívio!), leio sobre um estudo feito nos Estados Unidos, segundo o qual o olfato humano percebe pelo menos um trilhão de odores. Apesar da assombrosa constatação, ainda perdemos para o olfato animal. A apurada sensibilidade do focinho do cão, por exemplo, o faz perceber rastro humano, mesmo depois de algum tempo. E que tem a história da sonda a ver com a do nariz? É que, uma vez retirado esse saudoso cateter, comentei sobre o odor forte da bile, com o médico. E ele emendou: “...como quase tudo que sai do corpo humano”.
Minha memória olfativa jamais se esquecerá daquele cheiro. Situação dessa só não seria difícil para quem perdeu o olfato, às vezes por resfriado, acidente, problema neurológico, alergia... Porém, sem olfato, a comida não tem sabor, pois o odor é importante para o sabor; cozinheiros queimam o feijão; e corremos risco, não sentindo vazamento de gás ou fumaça.
Indústrias conhecem esse poder do cheiro. A França, país muito frio, onde banhos são raros, fabrica os melhores perfumes. E indústrias de alimento do mundo todo investem em aromatizantes artificiais.
Quando se tem odor intenso do chulé ou do suor, agravado pela ação de fungos e bactérias, é imprescindível o cuidado na higiene pessoal e higiene da roupa, calçado ventilado, talco para pés, um bom desodorante...
Mas cheiros não são todos ruins. É prazeroso relembrar o cheiro agradável de carro e livro novos, pão e café quentinhos, cravo, rosa, pipoca; bem como cheiros da infância: merenda escolar, goiabada, mexerica. Lembrando-nos disso, somos gratos aos coletores de lixo, que convivem com o odor desagradável de nosso lixo e do chorume, todos os dias.
Embora não nos importemos com o nariz, Monteiro Lobato não o esqueceu: deu à Lúcia, neta de Dona Benta, o apelido de Narizinho, por seu nariz arrebitado. Aliás, lembrando o nariz em expressões idiomáticas, nariz arrebitado caracteriza quem se sente superior aos outros, e dar com o nariz na porta é procurar e não encontrar. Ainda sobre olfato, nariz obstruído é perigo em uma negociação, pois se ela não cheira bem, pode não dar certo. Então o nariz pode distinguir um trilhão de odores, mais esse. Sem dúvida, o olfato humano é bem mais sensível que podíamos imaginar!