ARTICULISTAS

Um urso na cozinha

Ele é brancão, anda meio desengonçado

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 24/07/2012 às 20:21Atualizado em 19/12/2022 às 18:22
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Ele é brancão, anda meio desengonçado, tem um olhar azul e distante, como se estivesse nadando em universo paralelo. As mãos pequenas contrastam com o seu tamanho, o faz, assim, original, diferente, embora parecido com um urso polar. De tão branca a sua pele, que os pelos cederam para a tez, ficaram somente a pele. Quando Evódio chegou a sua casa para bebericar de seus vinhos, o encontrou na cozinha fritando bolinhos. Ele já estava concluindo a feitura.  Evódio hospeda-se lá de vez em quando, e, encontra lá, além do bom papo com ele e a esposa, a bela e inteligente criaturinha nascida alguns anos para a alegria da família e dos amigos próximos.  A pequenininha tem uma beleza exótica, daquelas que surgem em fechamento de ciclo aprimoramento estético da espécie e, para ilustrar a  beleza, ela tem percepção de espaço, dos movimentos ao seu redor, que a diferencia das demais crianças de sua idade. Que os anjos amparem a nossa caminhada. O papo ali é regado a vinho de boa qualidade. E eles navegam nas conversas e nas invenções literárias da vida. Mas, naquela noite, o que sobressaiu foi aquele bolinho servido para acompanhar o saboroso vinho português da região do Doro. Os alentejanos são os melhores, pode fechar o olhar e pegar qualquer um, que você estará bem acompanhado, mas aquele vinho do Doro estava demais. Tão quão o bolinho, embora de naturezas diferentes. Ao servir os bolinhos sobre guardanapo, não havia marcas de frituras, de tão secos que estavam. Evódio, ao levar à boca o bolinho, sentiu  a parte externa crocante e, por dentro, úmida. Na boca, pôde sentir o sabor do queijo, que dava uma consistência macia, mas quando a guloseima passou pela sua garganta ficaram o gosto da erva cidreira e do parmesão. Maravilhoso, aquele sabor; imaginei frente ao seu relato. Quanto ao vinho, a gula falou baixinho para que ele cedesse ao bolinho, porque o vinho já estava pronto e podia ser encontrado nas melhores casas vinícolas, mas aqueles bolinhos, não. Não há restaurante ou similar que ofertem esse tipo de bolinho, somente quem frequenta a casa desse urso. Que é médico, mas, que um dia, nos brindará com um restaurante, me confidenciou meu amigo Evódio. Depois de comer vários bolinhos perguntou ao amigo qual era a receita daquela maravilha. Inclusive, ao fritá-los a gordura não espirrava, diferentemente de cozinheiros que ficam pulando em volta do fogão, fugindo dos respingos do óleo. Ali não, era uma fritura serena, calma, sem empanturrar a cozinha de oleosidades. “Qual é o segredo desse bolinho, meu amigo, que nem respinga óleo”, perguntou Evódio. Ele o olhou e deu uma golada no vinho, mostrando seu contentamento através do sorriso. “É segredo”. “Me fale do que é feito”. “Conto só um pouco”. “Então me fale desse pouco”, suplicou Evódio. E ele passou a narrar a receita de seu bolinho de arroz, que estou impedido de contar, embora saiba, mas que pouco ajudaria porque do jeito que ele faz, só ele. 

(*) Professor

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