ARTICULISTAS

Uma humanidade de não humanos

Os destaques da mídia nas últimas semanas, em sua imensa maioria, referem-se à disputa territorial

Valter Machado da Fonseca
Publicado em 06/12/2010 às 23:32Atualizado em 20/12/2022 às 02:51
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Os destaques da mídia nas últimas semanas, em sua imensa maioria, referem-se à disputa territorial entre as Forças Armadas e as facções que controlam a indústria do narcotráfico no conjunto de favelas que compõem o Complexo do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro.

Ao analisarmos os acontecimentos na periferia da cidade ainda maravilhosa, ficamos perplexos, pois começamos a refletir acerca da luta do “bem” contra o “mal”, da “solidariedade” contra a “covardia”, enfim da “racionalidade” contra a “irracionalidade”. Na verdade, podemos sintetizar estes episódios como a disputa do Estado brasileiro contra o poder paralelo instalado pelos narcotraficantes nas periferias das grandes e médias cidades brasileiras. Estes episódios refletem a falta do debate, tão necessário, sobre a podridão, o estado de necrose das instituições, que dão sustentação ao Estado brasileiro.

O que estamos presenciando são cenas de barbárie, de terror, de uma autêntica guerra civil no principal ponto turístico do território brasileiro. Presenciamos a troca aberta de tiros e mísseis, de armamentos pesados [inclusive uma bazuca] entre o crime organizado e as tropas da PM e do exército brasileiro. E, no meio do fogo cruzado está a população aterrorizada [trabalhadores, homens, mulheres e crianças], enfim pessoas honestas e de bem. Aliás, há quem defenda que na periferia das grandes cidades [nas favelas] só moram bandidos. Grande parte da opinião pública não tem consciência que a imensa maioria da população que habita as favelas é constituída de trabalhadores, marginalizados, segregados sócio e espacialmente, em decorrência da má distribuição de renda, da especulação imobiliária, da falta de empregos e de condições dignas de sobrevivência. Como dizia o saudoso Paulo Freire: são os “demitidos da vida”, “os esfarrapados do mundo”.

O Estado brasileiro, infelizmente, vem adotando uma política de bombeiro, de “apagador de incêndio”. Tardiamente começaram uma ofensiva para tomar o controle do território ocupado pelos narcotraficantes no Rio de Janeiro, não pela vontade de acabar com a violência urbana e restabelecer a paz na periferia. Mas, o fazem porque a imagem do Brasil vem sendo, sistematicamente, bombardeada pela opinião pública mundial e o país vai sediar os dois maiores eventos esportivos do planeta: a copa do mundo de futebol em 2014 e os jogos olímpicos de 2016. Como a cidade maravilhosa é o nosso principal cartão postal é preciso “limpar” os morros cariocas.  Não estou aqui tentando dizer que a indústria do narcotráfico não precisa ser destruída, muito pelo contrário, precisa ser desmontada com urgência.

O que defendo é uma ação efetiva, organizada e planejada [que não coloque em risco a vida de pessoas honestas e trabalhadoras], em nível nacional e não ações meramente pontuais. É preciso também varrer do congresso nacional os representantes dos narcotraficantes [que a cada dia mais, vem elegendo um número expressivo de representantes]. É preciso repensar a nossa política carcerária, cada vez mais infiltrada por funcionários do narcotráfico.

Não é preciso irmos longe, basta olharmos para a nossa cidade. Passear pela cidade depois das 23 horas, inclusive pela região central, já se torna um desafio e uma ameaça à nossa própria vida. Enfim, é preciso repensar nossas leis, nossa educação, nosso sistema prisional, nossa polícia. Torna-se urgente e extremamente necessário repensar nossa nação, pois o homem está trocando seus valores morais pela superfluidade da sociedade do consumo. Estamos vivendo um período no qual a perda total dos princípios humanos faz ressurgir das cinzas os tempos bárbaros e cruéis, uma humanidade de “não humanos”.  

(*) escritor. Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Mestre e doutorando em Educação também pela UFU. Docente da Universidade de Uberaba (UNIUBE)

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