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Vergonha

Estimado leitor, desculpe o mau jeito, mas às vezes dá vergonha de ser brasileiro. Todo ano é a mesma história! Entra o verão, chegam as chuvas

Mozart Lacerda Filho
Publicado em 11/04/2010 às 14:01Atualizado em 20/12/2022 às 07:08
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Estimado leitor, desculpe o mau jeito, mas às vezes dá vergonha de ser brasileiro. Todo ano é a mesma história! Entra o verão, chegam as chuvas e mais pessoas morrem país afora. É a crônica das mortes anunciadas, parafraseando o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez.

Li no jornal Folha de São Paulo que um estudo feito pela Universidade Federal Fluminense, datado de 2004, já dava conta de que a área onde fica o morro do Bumba, na cidade de Niterói, é de altíssimo risco e, por isso, as pessoas jamais poderiam estar morando ali. O que fizeram as autoridades para impedir a tragédia anunciada? Nada, absolutamente nada.

Não vale dizer que a população também sabia dos riscos que estavam correndo e que, por isso, ela também é culpada pelas tragédias. É bom lembrar que as pessoas que moram nos morros são, em sua maioria, muito pobres e que só moram lá por falta de opção. Com a especulação imobiliária praticada em cidades litorâneas, onde o metro quadrado é extremamente valorizado, as populações menos abastadas são obrigadas a construir suas “casas” em locais desinteressantes do ponto de vista imobiliário. Em cima de um lixão, por exemplo.

Agora raciocinemos: se já era sabido que as pessoas não podiam estar onde estavam, que mais hora menos hora suas moradias viriam morro abaixo, que todos lá estavam correndo risco de morte, por que elas não foram levadas para outro lugar? Por que aqueles que tinham a obrigação de fazer o que deveriam ter feito não o fizeram? Mais: poder evitar uma tragédia e não fazê-lo não é o mesmo que participar dela? Neste caso, não é, de alguma forma, contribuir para que aquelas mortes viessem a ocorrer? A questão é: onde termina o acidente e começa a negligência?

É lógico – só não enxerga que não quer – que aquelas pessoas morreram em vão e que suas mortes poderiam ter sido evitadas se nossos homens públicos tivessem, em tempo hábil, tomado as medidas cabíveis. Mas quem é mesmo que mora em morro? Ah, queiram perdoar... estava esquecendo que quem mora em morro é pobre e que pobre, num país como o Brasil, nunca foi nem nunca será prioridade.

Tanto não é prioridade que, ainda segundo o jornal Folha de São Paulo, a prefeitura do Rio de Janeiro reteve verbas destinadas a patrocinar obras de melhorias em várias das favelas onde aconteceram os deslizamentos. Se a situação me permitisse, convidaria o leitor a ouvir uma marchinha de carnaval, interpretada pela cantora Gal Costa, que a certa altura dizia: Onde está o dinheiro? O gato comeu, o gato comeu e ninguém viu. Quando vamos entender que a corrupção mata?

Agora, o mais irônico de tudo é que a daqui a seis verões chuvosos a cidade do Rio de Janeiro vai sediar os jogos olímpicos de 2016. Faz parte da nossa cultura o péssimo hábito de não fazer o dever de casa e, mesmo assim, nos propormos a alçar voos cada vez mais altos. Como pode um país tão pobre, que nem infraestrutura básica possui, meter-se a realizar um evento dessa magnitude? É, no mínimo, desrespeitoso com as famílias dos mais de 180 mortos espalhados pelo estado do Rio, que não esperam por olimpíada, mas sim por, ao menos, segurança e dignidade, para simplesmente se manterem vivos.

E para os mais lúcidos, a sensação que paira no ar é a da mais profunda vergonha.

(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM mailtmozart.lacerda@uol.com.br

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