Há coisas que a gente gosta de recordar. Outras não. Poesias lidas na infância...
Há coisas que a gente gosta de recordar. Outras não. Poesias lidas na infância, trechos de prosa, conversas de pessoas. Muitas vezes, o sempre lembrado nem tenha grande significação para nós ou algum valor literário. Por que, então, tanta insistência em nos lembrarmos deles? Talvez estejam ligados a momentos felizes da infância. Ou tristes. Não sei. Não se explica a mente humana. Tenta-se apenas.
Lembro-me até hoje de um poema melodramático lido e decorado por mim aos 10 anos: “Armas num galho de árvore o alçapão e a avezinha descuidada cai na escravidão”. Verso de mau gosto, mas ficou para sempre colado não sei em que recanto de minha memória. Certa vez, como castigo, fui obrigado a decorar um poema imenso chamado I-Juca Pirama. Sei quase todo ainda de cor. Por que meus neurônios, já cambaleantes, teimam em segurar tanta inutilidade? Quais os critérios de escolha e seleção?
Estudei no Colégio Marista. No meu tempo, quase todos os professores eram franceses. Devo muito a eles. Por outro lado, sofri muito com eles. A pedagogia deles, válida naqueles tempos, seria inaceitável nos dias de hoje. Quando não sabíamos as lições, éramos obrigados a permanecer no Colégio, depois das aulas, para o castig decorar poesias, trechos em prosa ou do Evangelho. Um desses trechos eu guardo até hoje: “Je suis le bon berger. Le bon berger donne sa vie pour ses brebis. L´homme qui travaille que pour l´argent,,,” e assim por diante. Por que essas coisas teimam em ficar? Não apenas trechos de livros, mas frases vindas de pessoas que povoaram minha infância. Eu deveria ter meus seis ou sete anos. Estava brincando no chão da cozinha, na fazenda, quando surgiu na porta a Sa Maria, do Zé Penido. Tinha um imenso caroço no braço que me atemorizava. Ficou gravado para sempre o diálogo com minha mãe: “Com vai, Sa Maria?”. “Vô bem não, Dona Quita. Ando sentindo um fogaréu de perna arriba que me apoquenta o dia inteiro”. Nada entendi do apoquentamento da Sa Maria, mas o diálogo ficou gravado. Em que recantos da memória se alojou? Por que insistiu em ficar? Para quê?
Marcelo Gleiser, astrônomo brasileiro, professor numa universidade americana, tinha razão ao afirmar: “Há três mistérios que a ciência ainda não conseguiu desvendar: a origem do universo, a origem da vida e a mente humana”.
Ficamos admirados com a capacidade dos computadores modernos. Mas, é bom não se esquecer de que a mente humana é superior a milhões de computadores e não precisa ligar na tomada.
Certa vez, um não-católico, conversando comigo, saiu-se com esta: “Vocês quando não sabem explicar as coisas, apelam para o mistério”. “E verdade, quando se trata de Deus, como não recorrer ao mistério? Se pudéssemos explicar as coisas de Deus, seríamos iguais a Deus.”