Certa vez ouvi, intrigado, o queixume amargo de um amigo: Minha vida se resume
Certa vez ouvi, intrigado, o queixume amargo de um amig "Minha vida se resume em fazer o que não gosto".
Quase todos nós, vez por outra, nos queixamos do dever irremediável de fazer o que a gente não gosta. Às vezes, o dever toma ares de despotismo guiando nossos passos a contragosto. Nem sempre é leve e agradável o cumprimento do dever. É cansativo e massacrante a obrigação de fazer coisas apenas porque têm alguma utilidade. Lembro-me sempre do filme "Os miseráveis", do romance de Victor Hugo. Charles Laughton interpretando o policial Javert e sempre repetind "É a lei". Tem que ser cumprida.
Tenho medo das pessoas pragmáticas. Fazem sempre o que é preciso fazer. O que é bom é fazer o que a gente gosta, não por obrigação, mas por escolha livre.
Penso, então, na aposentadoria. Pode ser um tédio intolerável ou pode ser uma libertação. Tudo depende da cabeça do aposentado. Levantar-se sem a obrigação de sair correndo para cumprir o dever. Não se deixar escravizar pelo relógio. Conversar com Deus. Ouvir música suave. Ler os livros que se quer. Ler poesias. Sair sem rumo e passear pelas ruas, encontrando-se com amigos e observando as casas, os detalhes nunca antes percebidos, "ver" as árvores, os pássaros. Enfim, fazer o que a gente gosta, sem nenhuma utilidade prática. Esquecer as salas de aulas, o escritório, o balcão. Passar um "X" bem grande, vermelho, em cima das antigas obrigações. Não receber ordens de nenhum patrão, principalmente daqueles muito cônscios de sua autoridade. Se você é avô, se tem netos, "perder tempo" em brincar com eles, em livrá-los, às escondidas, dos cuidados paternos. Dizem que os avós deseducam os netos. Não é verdade. O que é verdade é que os idosos adquirem um senso lúdico da vida que os faz aproximar-se das crianças. Eles se entendem. Os idosos são mais sensíveis. Ou são mais sábios? Não estão mais massacrados pelas "obrigações".
Assim é feita a vida, só de momentos. Viveria cada momento como se fosse o último. O que realmente vale é a felicidade que os momentos aparentemente insignificantes da vida podem me trazer.
Caminhar feliz procurando fazer com que os outros sejam também felizes. Carregar nossas fraquezas, nossos defeitos, mas feliz. Viver com alegria é um dom de Deus. Caminhar para Deus com alegria.
(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro