Parecia muito preocupado. Chamou-me para um canto do alpendre. Falando baixo e olhando para os lados, contou-me que havia um grande tesouro enterrado lá na fazenda onde morava. Era um montão de barras de ouro. Contou-me uma estória comprida, narrada com detalhes e lógica impecável. “Foram enterradas por meu bisavô, Major Joaquim José da Silva, disse ele, numa mata de acesso difícil, onde havia muitas cobras”. Acrescentou que uma voz sussurrava no ouvido dele: “Vai lá, é tudo seu”. Perguntei: “E por que você não vai?”. Ficou assustad “Porque o dono não sabe. Se ele pega a gente lá, ele solta a cachorrada”.
Não consigo entender por quê, mas sou vítima desse pessoal que ouve vozes. Um deles contou-me que, embora não sendo católico, gostava muito de entrar nas igrejas, ouvia até missas. Lá dentro, fechava os olhos e ouvia os frades cantando os salmos. Isso porque tinha pertencido àquela comunidade de monges que conviviam com Santo Agostinho, em Cartago. Era um colega meu, por isso me queria bem. Eu era um monge.Ele também.
Em São Paulo, pedi à minha sobrinha Rita que me levasse a uma camisaria. Lá me deixou e foi para o trabalho. Conversando com o dono, acabei dizendo a ele que era padre. Levou-me, então, para uma sala onde já estavam uma senhora e um moço de olhos esbugalhados. Trancaram a porta e o dono da loja saiu com a seguinte conversa: “Padre, minha esposa aqui presente recebeu uma mensagem, numa voz doce e penetrante, dizendo que ela é a encarnação da Virgem Maria. Ela precisa proclamar ao mundo as coisas que estão por acontecer, principalmente a conversão dos padres. O senhor está sendo escolhido para ser o arauto em sua cidade”. O terceiro personagem, com cara de Peter Lore, entrou na conversa, num espanhol todo atrapalhad “Ustedes, los padres olvidaran los mandamentos de Dios, estan todos perdidos nel mondo de dissolución”. Juro que tive medo como nunca. Olhei para a “Virgem Maria”. Baixinha, com um decote super-agressivo, calças hiper-colantes e muito maquiada. Olhei para a janela, tinha grades, a porta trancada. “Meu Deus, onde estou?” O melhor era aceitar o jogo. Prometi ser um arauto fiel. Cumpriria todos os regulamentos. Pedi para sair, aleguei mil compromissos inadiáveis. No íntimo, orava desesperado. Por espanto meu, me abraçaram chorando e abriram a porta da sala. Deram-me duas camisas de presente e prometeram vir a Uberaba para dizer ao mundo os segredos de Maria. Graças a Deus não vieram. Pelo menos até hoje.
O mundo está cheio desses especialistas em “vozes”. São vítimas de variações psíquicas. Com o avanço dos estudos da Psicologia Psiquiátrica não há mais nenhum mistério. Ouvem vozes. Veem coisas que não existem. Trazem-nos as mais estranhas mensagens e se dizem enviados por Deus. Foi ainda neste ano que um amigo meu revelou-me que era católico. Mas um dia começou a ouvir vozes: “Prega a Palavra”. Repetidas vezes. Mudou de Igreja e hoje é pregador. Continuamos amigos. Os caminhos são diferentes, mas, no fim, vamos abraçar o mesmo Pai. Sem vozes.