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Uberaba: uma história de 203 renascimentos

Letícia Marra
Publicado em 02/03/2023 às 17:00
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Mais do que perecível, o tempo é implacável. Como diz Mário Quintana "Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já terminou o ano...A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará". É comum que a vida passe sem que nos demos conta, mas recordar, é viver. 

Especialistas da psicologia dizem que olhar para o passado é importante para conectar com a verdadeira essência. Na história, as inquietações do presente que nos levam a reinterpretar o passado, portanto, ciência é vista como um estudo para entender o presente.

Para o mineiro, especificamente o uberabense raiz, olhar para o que passou, é uma oportunidade para contar causos. E Uberaba têm causos “aos montes”. Cidade que começou como um arraial, depois virou freguesia, com uns povoados aqui e outros acolá, surgiu nossa Uberaba. Cada cantinho com uma ‘estória’ e uma curiosidade para viajar no tempo. 

Você sabe qual foi a primeira casa de Uberaba? 
A primeira casa era de Major Eustáquio, considerado o fundador de Uberaba. Localizada no alto da Rua Artur Machado, esquina com a Rua Coronel Manoel Borges, próximo a Praça Rui Barbosa. O local se transformou em  um sobrado, construído após a demolição da casa original. 

Primeira casa de Uberaba, de Major Eustáquio, na Artur Machado (Foto/Arquivo Público)

Primeira casa de Uberaba, de Major Eustáquio, na Artur Machado (Foto/Arquivo Público)

Falando na Rua Artur Machado, você sabe quantos nomes o logradouro já teve? 
Durante a maior parte do século XIX a rua ficou conhecida como rua do Comércio. Entretanto, recebeu também outros nomes, entre eles, a Rua do Fogo, pois, no início da vida do pequeno arraial, Major Eustáquio manteve uma oficina de ferreiro, ao lado da primeira casa edificada em Uberaba. O escravo que trabalhava nesse local sempre trazia, como é próprio nesse tipo de oficina, uma forja acesa. Era comum os vizinhos e moradores irem àquele local para buscar fogo, já que naquela época em que não havia fósforos, era um achado. Também teve o nome de Rua Baixa por ser  a rua mais baixa da cidade e Rua do Centro porque era o núcleo da vida comercial. 

A Rua do Comércio ia da Praça da Matriz até a Chácara do Padre Zeferino, atual Rua Padre Zeferino, um antigo vigário que atendia na Igreja Matriz, hoje, Catedral Metropolitana. Nesse local, o padre cultivava um parreiral, e produzia um excelente vinho, consumido em outras partes do País. Tinha a frente voltada para a Rua Arthur Machado. Consta que o padre abria as portas de sua propriedade e já avistava, de longe, a Igreja. 

Contudo, a chácara desapareceu com a instalação dos trilhos, estação e casa de máquinas da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, inaugurada em 1889. Para homenagear o presidente da Cia. Mogiana, a Câmara deu o nome à antiga Rua do Comércio, de Barão de Ataliba, que ajudou a conservá-la e prolongá-la, com o apoio da Companhia, da qual era presidente.

Em 1910, o então prefeito Philippe Aché, seguindo um plano para toda a cidade, dotou a rua, sempre popularmente chamada do Comércio, de infra-estrutura, instalando uma rede de esgotos. Em 1916, foi denominada oficialmente de Rua Arthur Machado.

Rua Artur Machado em 1885 (Foto/Arquivo Público)

Rua Artur Machado em 1885 (Foto/Arquivo Público)

Ainda sobre a antiga Rua do Comércio, existem histórias do imaginário popular. Você já ouviu falar na “Esquina do Engentei”? 
De acordo com os historiadores, não existem documentos que validem a história, mas, de acordo com o imaginário popular, o lugar fica na esquina da Rua Artur Machado com a Avenida Leopoldino de Oliveira. Ali os fazendeiros da cidade se encontravam, e sempre declaravam a recusa de compra ou venda de imóveis e/ou gado. 

E a Ponte de Delta? Você conhece a história da estrutura? 
A estrutura de ferro foi construída para atender à malha ferroviária da Cia. Mogiana que – nascida em berço paulista – cresceu cortando o Triângulo Mineiro e aportou em Uberaba, por volta de 1889. Alguns dizem que as peças vieram da Inglaterra, outros afirmam que a ponte tem nacionalidade alemã. O certo é que a partir da década de 1910, a travessia do rio deixou de ser feita com barco ou canoas, para as gentes do lado mineiro (Delta, Sacramento e Conquista, pacatas cidadezinhas que vão devagar, como diria Drummond), da banda paulista (Aramina, Igarapava) e outras, vindas de estados mais distantes. Quando inaugurada, as pessoas chegavam de todas as localidades para contemplar a beleza. Hoje, o que resta de uma das principais rotas de ligação entre São Paulo e Minas é um conjunto de sustentações, de 324 metros de ferro importado, que guarda marcas históricas importantes, mas que se encontra desgastado, sucateado, cheio de rachaduras, com grades de proteção distorcidas, sinais de infiltração e desprovido de possibilidades de investimentos em sua restauração.

Na região central, há uma praça que se perdeu no tempo: a ‘Praça do Markito’. Você já ouviu falar? 
Marcus Vinícius Resende Gonçalves, conhecido como ‘Markito’, foi um dos estilistas mais renomados do Brasil. Iniciou a carreira ainda na infância criando design de vestidos e fantasias para uma escola de samba de Uberaba. Aos 18 anos, mudou-se para São Paulo e começou a conquistar o mundo. Durante a sua carreira, vestiu grandes artistas como:  Fafá de Belém, Xuxa Meneghel, Liza Minnelli, Diana Ross, Grace Jones, Bianca Jagger, Olivia Newton-John e Farrah Fawcett, Marília Gabriela entre outras. Markito ficou ainda mais conhecido quando foi um dos primeiros brasileiros a ser diagnosticado com HIV/AIDS. Ele faleceu em Nova Iorque,em 1983, aos 31 anos, sendo o primeiro brasileiro a morrer por complicações da doença. Como homenagem, a rotatória final da Avenida Fidélis Reis recebeu o nome de “Praça do Markito”. 

Praça do Markito quando foi inaugurada (Foto/Arquivo Público)

Praça do Markito quando foi inaugurada (Foto/Arquivo Público)

Se subir um pouco, vai encontrar a Praça da Concha Acústica. Antes, conhecida como ‘Rui Barbosa’. Você já conhece essa história? 
Em 1889, recebeu o nome de ‘Praça Dr. Crispiano Tavares’. Em 1900, mudou para ‘Praça da República’. Em 1908, com uma esplêndida gameleira secular, a praça era o encontro da Rua do Comércio, Rua Bernardo Guimarães e Rua Marquês do Paraná. Agora, já recebia o nome de ‘Rui Barbosa’. A Câmara Municipal, modificando a nomenclatura de alguns logradouros públicos, em 1916, denominou-a de Praça Afonso Pena. Em 1970, a praça ficou conhecida popularmente como 'Praça da Concha Acústica', por ter sido construído, em seu centro, um palco, em forma de uma concha, para que as apresentações musicais tivessem uma acústica melhor. A inauguração foi no dia 2 de abril de 1971. Ainda no imaginário popular, dizem que a concha foi construída de maneira errada. Devido a praça estar instalada no topo de um morro, para ter uma acústica adequada, o palco deveria ter sido construído de costas para a Rua Artur Machado. Mas, a dinâmica não era interessante, porque aquela era a rua mais importante da cidade. 

Concha Acústica em 1970 (Foto/Arquivo Público)

Concha Acústica em 1970 (Foto/Arquivo Público)

Um dos lugares mais conhecidos de Uberaba é a Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Uma das unidades tem uma história pra lá de antiga, você sabia? 
A Unidade Praça Manoel Terra, da UFTM, foi a primeira penitenciária de Uberaba. O prédio, em 1954, foi ocupado pela Faculdade Medicina de Uberaba e depois se transformou em universidade. Mas, no início do século XX, serviu, inicialmente, para abrigar a Penitenciária de Uberaba. A planta foi assinada pelo arquiteto Luigi Dorça.

Penitenciária de Uberaba (Atual sede da UFTM) - 1930 (Foto/Acervo/Uberaba em Fotos)

Penitenciária de Uberaba (Atual sede da UFTM) - 1930 (Foto/Acervo/Uberaba em Fotos)

No último ano, a Comunidade LGBTQIAP+ teve destaque com a abertura do Centro de Referência LGBT+. Mas você sabe quem foi a primeira drag queen de Uberaba? 
Em 1985, Francisco Dumont, conhecido como Chiquinho, deu vida à Madame Brasil, a primeira drag queen de Uberaba. Abrilhantou carnavais e participou da primeira Parada LGBT de Uberaba, que aconteceu em 2006,  impulsionada pelo CTA (Programa Municipal de DST/Aids e Hepatites Virais). O evento foi realizado na Avenida Leopoldino de Oliveira com cerca de 1000 pessoas da comunidade.

Você sabia que não existem mais sinos de corda em Uberaba? 
De acordo com a Arquidiocese de Uberaba, os sinos são automatizados para tocarem em horários pré-determinados e imediatamente antes de cada missa começar. No passado eram de corda e exigiam que alguém subisse a torre para tocá-los, depois da automatização, basta configurar um painel colocado em lugar acessível. Assim como o relógio da Catedral Metropolitana, que não toca há dois anos por falta de acessibilidade e profissionais que realizam o serviço. 

Você conhece sobre o 'milagre' de Nossa Senhora d'Abadia quando a igreja foi construída? 
Segundo reza a história, no momento em que foram construir a igreja perceberam que no local não havia água, que era elemento fundamental para a construção do templo. Segundo Mateus 17:20, a fé remove montanhas e foi isso que sucedeu no ano de 1883, o capitão Formiga mandando abrir menos de 10 palmos ao lado esquerdo do cruzeiro, em frente a futura capela, uma cisterna de boca larga que, ao se aprofundar, aconteceu o primeiro milagre:  brotou água de maneira nunca vista anteriormente. 

Dizem que começou a jorrar água em grande quantidade que seria possível até mover um monjolo. Foi necessário abrir, do lado de baixo do poço, uma vala para não derramar a água em todo o Largo. A notícia do milagre das águas se esparramou por toda a região fazendo com que romeiros viessem de diversas partes para colher daquela água, cujas virtudes medicinais se atribuíam a um milagre operado pela Santa. 

A Igreja foi concluída em 1899. Preponderante para o desenvolvimento do bairro da Abadia, depois de muitas reformas e ampliações, tornou-se um dos símbolos católicos da cidade. Em 1987, tornou-se Santuário da Abadia. Também o Município de Uberaba, por suas autoridades competentes, através da Lei nº 10.196 de 14/08/2007, instituiu Nossa Senhora d’Abadia como a Padroeira.

Este assunto é um dos episódios do Podcast do Arquivo Público de Uberaba, disponível neste link. Os podcasts são séries com pequenos episódios  contando a história de Uberaba. Hoje, tem seis séries disponíveis: Igreja Nossa Senhora do Rosário, Leopoldino de Oliveira, O 7 de Setembro, Nossa Senhora da Abadia, História de Uberaba e Carnaval em Uberaba.

Igreja Nossa Senhora da Abadia em 1920 (Foto/Arquivo Público)

Igreja Nossa Senhora da Abadia em 1920 (Foto/Arquivo Público)

*Matéria escrita com auxílio do Arquivo Público de Uberaba e Acervo Uberaba em Fotos

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