Especialistas explicam o que está por trás do desejo de se tornar um influenciador e orientam pais e aspirantes a lidarem com desafios que envolvem a profissão
Geração Z também tem sonho de se tornar influencer (Foto/Sitthiphong/iStockphoto)
O Brasil tem mais de 500 mil influenciadores somente no Instagram, segundo uma pesquisa realizada pela Nielsen e divulgada em junho pelo portal Consumidor Moderno. O dado, que considera contas que tenham mais de 10 mil seguidores, faz com que o país seja o primeiro em número de influencers na plataforma. Mas, a depender do desejo dos jovens, é possível que essa quantidade aumente ainda mais. Isso porque, segundo uma pesquisa desenvolvida em 2023 pela empresa de inteligência de mercado Morning Consult, 57% das pessoas da geração Z têm o desejo de se tornarem influenciadores digitais. A porcentagem é ainda maior entre os brasileiros. Conforme um levantamento feito em 2022 pela INFLR, startup especializada em marketing de influência, 75% dos jovens do país sonham em ser influencers.
De acordo com a psicanalista Cínthia Demaria, essa aspiração compartilhada pela maioria pode ser justificada pela promessa que esse tipo de trabalho oferece aos jovens, tanto num aspecto de imediatismo quanto numa perspectiva de consumo em excesso. “Essa aspiração representa a possibilidade de estar inserido em um grupo melhor, em que a felicidade é completa. É um pouco do que os próprios influenciadores passam sobre a própria vida, de uma possibilidade de consumir tudo, de viajar quando quiser, de estar em um auge que em outras profissões seria alcançado com uma demanda maior de tempo, de investimento e de dinheiro”, explica ela, que é doutoranda pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do Além da Tela, laboratório da instituição que investiga psicanálise e cultura digital. “Também há a ilusão de trabalhar em casa, de viver da sua ostentação, do consumo e da possibilidade de consumir”, completa.
Em entrevista a O TEMPO, o publicitário e infoprodutor Luiz Lana também falou sobre a popularização do sonho de seguir uma carreira digital, fenômeno que ele caracterizou como natural e esperado, principalmente quando consideramos a forma como a sociedade se organiza. “Hoje, vivemos o paradigma digital, com grande evolução de tecnologias e maior acesso da população à web. Então, logicamente, profissões digitais vão começar a aparecer mais e mais”, avaliou.
Para ele, também há um apelo cultural na carreira de influenciador, algo parecido com o que acontece com o sonho de ser jogador de futebol. “Seja pela midiatização desses atletas ou pelo fato de muitas pessoas jogarem bola desde a infância, sabemos que é um desejo muito comum. Apesar disso, por uma série de razões, poucos se tornam jogadores profissionais. Percebo que, no caso dos influenciadores, a lógica é parecida. Como se tornou fácil produzir conteúdo digital, já que basta ter acesso à internet para criar um perfil ou um canal, se tornou também mais comum o sonho de ser um player nesse meio. Contudo, da mesma forma, poucos vão de fato se profissionalizar”.
É nessa dificuldade de alcançar o sucesso, que pode parecer estar na palma das mãos, que está um dos perigos de almejar tanto a profissão a ponto de idealizá-la. “É uma profissão que dá a falsa impressão de que o risco é menor, em que é possível sair de cena no dia seguinte. Ela também dá a ideia de que não é preciso ‘perder’ tempo estudando, além de dar a ilusão de que há certas garantias, como estar sempre cômodo, em um lugar seguro. Só que não é bem assim. A gente sabe que essas profissões priorizam um ideal de beleza, de juventude. Essas pessoas têm que responder a isso de certo lugar para que não caiam no ostracismo, têm que fazer da vida o próprio conteúdo para que não deixem de ser interessantes”, lista Cínthia. “É uma profissão que, como qualquer outra, implica riscos, e um deles é acabar muito rápido. Sem contar as dificuldades que existem. Quando a gente vai ouvir dessas pessoas, elas falam dos riscos que correm, falam sobre perder a privacidade, de perder outros laços. Tanto que alguns que alcançam uma boa quantia de dinheiro acabam optando por sair de cena”, acrescenta.
A exposição é outro desafio para o qual a psicóloga Ana Luísa Bolívar chama a atenção. “O influenciador digital está sendo visto publicamente por milhares de pessoas, talvez nem eles saibam quantas pessoas de fato conseguem atingir. Então, é importante ter um discernimento e entender que, a partir do momento em que você coloca algo nas redes sociais, isso permanece. Não tem como retirar. É importante ter um limite no que vai ser exposto”, diz, orientando principalmente pais e adolescentes que busquem seguir essa carreira. “Na adolescência as emoções estão à flor da pele. Com os jovens adultos também é assim, porque são pessoas que ainda estão na formação do próprio eu, da própria personalidade e da própria subjetividade, então é importante aprender a direcionar o desejo, a autoestima, os objetivos de forma mais assertiva possível. Não existe uma receita de bolo, mas acredito que, com um bom acompanhamento psicológico e familiar, o direcionamento para os jovens pode ser dado”, aconselha.
Com mais de 5 milhões de seguidores espalhados por suas redes sociais – só no Instagram são 1,5 milhão –, a influenciadora Bia Herrero destaca que lidar com comentários maldosos, com a cobrança do público e com as fake news também é uma dificuldade da profissão. “Tem que ter uma cabeça muito forte para conseguir lidar com isso, pois, ao mesmo tempo que a internet te coloca lá no auge, as pessoas também te destroem. Você tem que estar forte mentalmente para lidar com essas coisas”, afirma.
A influenciadora, que começou a produzir conteúdos inspirada em youtubers e no seriado “iCarly”, da Nickelodeon, conta também que é preciso ter uma rotina flexível para lidar com o trabalho, que hoje é sua fonte de sustento. “Um dia você tem evento, no outro você tem que gravar uma ‘publi’. Tudo começa pela manhã, escrevendo o que tenho que fazer no dia para me organizar e ver o horário para executar tudo. Mas sempre encaixo um tempo para minhas atividades físicas, momentos com os amigos e família e, óbvio, a minha prioridade: meu trabalho”.
Diálogo é fundamental para a escolha da profissão
A escolha da profissão é sempre uma fase delicada da vida de qualquer pessoa, e é justamente por isso que a psicóloga Ana Luísa Bolívar destaca a importância de os pais manterem o diálogo com os filhos nesse período da vida. “Isso é válido não só para a decisão de se tornar influenciador, mas para qualquer outra, porque é uma escolha difícil. O diálogo familiar é sempre necessário para dar direcionamento, mostrar os pontos positivos e negativos daquela profissão”, explica. “Mas, se a escolha for mesmo se tornar um influencer, a orientação que dou é apoiar, de acordo com as possibilidades da família, mas falar sobre todas as questões que envolvem este que é um meio de muita exposição. É preciso mostrar os riscos de estar na internet, de se expor, de crescer tendo fama”, diz.
A psicanalista Cínthia Demaria reforça o coro, afirmando que os pais devem estar atentos e deixar claro que as coisas não são exatamente como elas parecem nas redes sociais. “Existe uma promessa de ganhar muito dinheiro rápido, há uma grande expectativa criada ao ver influenciadores podendo comprar bens de consumo a qualquer hora, mas, para chegar a esse lugar, é preciso um trabalho que implica muitas renúncias”, conclui.
Fonte: O Tempo