AO EXTREMO

Adolescente assassinada durante aula: denúncias de violência em unidades de ensino crescem 22% em MG

Melissa, de 14 anos, foi esfaqueada dentro de sala; Estado tem média de 130 denúncias mensais

Isabela Abalen/O Tempo
Publicado em 12/05/2025 às 08:55
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Minas soma 2.481 abusos desde janeiro (Foto/Foto de fundo: Reprodução/TV Globo I Foto da Melissa: Reprodução/Redes Sociais)

Um adolescente que mata uma colega de escola a facadas. Esse não é apenas o enredo da série Adolescência — sucesso da Netflix lançado em março —, mas um episódio real ocorrido no colégio Livre Aprender, em Uberaba, na última quinta-feira (8 de maio). O assassinato de Melissa Campos, de 14 anos, durante uma aula do 9º ano do ensino fundamental, representa o desfecho mais trágico de uma sequência de casos violentos: somente neste ano, até 5 de maio, Minas Gerais contabilizou 525 denúncias de agressões contra crianças e adolescentes em instituições de ensino, registradas por meio do Disque 100. A média é de 130 pedidos de ajuda por mês — uma escalada de 22% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram protocoladas 427 queixas.

Dados da Ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania revelam que cada relato esconde múltiplas violações, que vão desde agressões físicas e psicológicas até injúria racial e incitação ao suicídio. Nos 525 registros, o órgão identificou 2.481 abusos. Em média, cada vítima sofreu até cinco formas distintas de violência em uma única denúncia — o que equivale a cerca de 20 infrações diárias contra os direitos de crianças e adolescentes no Estado desde 1º de janeiro. “Esses números são a ponta do iceberg do que realmente temos enfrentado: uma escalada de violência que está culminando em mortes dentro da sala de aula, como nesse triste caso de Uberaba. Há subnotificação. Nem toda agressão chega ao Disque 100, e os dados do Estado não são públicos. A sensação é de que a escola está sozinha”, pondera Denise Romano, presidente do Sindicato Únicos dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE). 

A educadora lembra que, há pelo menos três anos, ameaças de massacres tornaram-se recorrentes no cotidiano escolar, levando, em alguns casos, estudantes a se armarem com facas. O assassinato de Melissa Campos remete ao ataque a uma escola em Poços de Caldas, no Sul de Minas, quando Leonardo Willian da Silva, também de 14 anos, morreu após ser esfaqueado por um colega de turma, em outubro de 2023. A violência, por vezes, também tem como alvo os professores — como ocorreu na Escola Estadual Três Poderes, em Belo Horizonte, na última segunda-feira (5 de maio). Uma professora do ensino médio foi empurrada e xingada por um estudante após repreendê-lo pelo uso do celular e orientá-lo a esperar o intervalo para ir ao banheiro. A agressão foi registrada em vídeo por outro aluno da turma. 

Na avaliação do especialista em segurança pública Jorge Tassi, o aumento das denúncias também é uma resposta à negligência com a comunidade escolar, além de refletir uma maior conscientização sobre o bullying e outras formas de importunação. “Viramos as costas, por muitos anos, para os problemas relacionados às escolas. As ações só eram tomadas em casos extremos, que acabavam ganhando repercussão. Agora, a sociedade discute o bullying, o assédio, a perseguição — e, à medida que isso se torna mais evidente, os indicadores aumentam”, afirma.

Ódio: da internet ao comportamento dos adolescentes 

Esse ódio que atinge níveis extremos dentro das instituições de ensino pode estar relacionado a uma combinação complexa de fatores, segundo o psicólogo Thales Coutinho. Ele explica que a irritabilidade é uma característica humana, mas, quando extrapola para a violência, revela a vulnerabilidade do adolescente e o contexto ao qual ele está exposto e influenciado. “A origem do ódio é muito diversa. Algumas questões são individuais e podem indicar um quadro de alteração profunda no controle dos impulsos, algo que precisa ser investigado — clínica ou psicologicamente. Por outro lado, embora o contato com determinados conteúdos não transforme, por si só, alguém em agressor ou assassino, muitas ideologias que circulam na internet têm alimentado o extremismo”, analisa.

Coutinho chama atenção para o conceito dos 'incels' — o movimento abordado na série Adolescência, da Netflix, é uma abreviação de involuntary celibates (celibatários involuntários) e tem sido amplamente associado a conteúdos de ódio contra mulheres, além de temas como solidão e insegurança. A observação, nesse caso, não está ligada ao assassinato da adolescente em Uberaba, já que a polícia ainda não tem indícios do que pode ter motivado o ataque. “Isso é de maneira geral. Algumas ideologias, como a dos incels, apresentam um alto potencial de periculosidade para os adolescentes, com discursos de ódio extremos e explícitos voltados aos jovens, que convencem por repetição”, alerta.

De fato, a falta de moderação de conteúdos de violência explícita na internet também preocupa a educadora e sindicalista Denise Romano. Segundo ela, os problemas enfrentados pelas escolas são geracionais e, desta vez, marcados pelo uso excessivo de telas e redes sociais. “Ainda não conseguimos dimensionar o efeito das redes sociais sobre a mente de crianças e adolescentes. Mas já há casos com desfechos fatais. Precisamos, com urgência, de uma regulação no uso dessas plataformas, porque grupos radicalizados estão se apropriando da opinião dos meninos”, afirma.

Como enfrentar a escalada da violência nas instituições de ensino? 

O Estado informou que a Polícia Militar realiza rondas de rotina no ambiente escolar para prevenir delitos, agressões e ameaças. A ação é executada por meio da Patrulha Escolar, que “identifica pontos sensíveis de segurança”. Em caso de ataques, segundo o governo, as escolas seguem o Protocolo do Programa de Convivência Democrática, que prevê desde o acolhimento da vítima até o acionamento do Conselho Tutelar ou do Ministério Público. Para o especialista em segurança pública Jorge Tassi, no entanto, faltam profissionais de segurança lotados nas unidades escolares. “Não é qualquer segurança que pode ser colocado em ambiente escolar. Esse profissional, além de capacitado para gerir conflitos, precisa utilizar câmera corporal, para que fique registrada a origem da violência”, afirma.

Tassi também reforça a importância de ações educacionais que envolvam toda a comunidade escolar em prol da paz, incluindo pais e familiares dos alunos. Ele destaca a necessidade de atenção à saúde mental dos professores e funcionários que enfrentam os conflitos cotidianos. “É preciso criar um sistema de saúde mental voltado ao professor, para que ele tenha condições de lidar com essa violência do dia a dia. Inclusive, para que seja capacitado a contribuir com um ambiente pacífico, percebendo e auxiliando os alunos mais vulneráveis”, pontua.

Nesse contexto, a Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG) afirma que desenvolve projetos de prevenção e combate à violência em todas as unidades da rede pública estadual, como o projeto Com Viver, que busca qualificar os servidores “para tratar da cultura baseada no respeito, no diálogo e nos direitos humanos”. Também são realizadas rodas de conversa sobre equidade e palestras sobre bullying.

Sobre os cuidados com a saúde mental, a pasta informou contar com o Núcleo de Acolhimento Educacional (NAE), composto por psicólogos e assistentes sociais que atuam de forma itinerante nas escolas. “Para os servidores, a pasta dispõe do Serviço de Acompanhamento Sociofuncional (SAS), voltado ao acolhimento, apoio socioemocional e encaminhamento às redes locais de saúde”, acrescenta. “A SEE/MG reafirma seu compromisso com o aprimoramento contínuo das ações destinadas a garantir a segurança dos estudantes e dos profissionais da educação.”

Fonte: O Tempo

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