Como os pais devem agir quando, ao invés de vítimas, os filhos são os algozes em situações de bullying? (Foto/Maria Symchych-Navrotska/iStockphoto)
Lançada em 2023, a série “Os Outros”, do Globoplay, tem como ponto de partida uma discussão entre Rogério e Marcinho, dois adolescentes que vivem no mesmo condomínio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Com o avanço da história, vemos que o segundo se torna vítima de bullying do primeiro, com a situação envolvendo os pais de ambos. A perseguição sofrida por Marcinho é mais comum do que se imagina – segundo o DataSenado, 6,7 milhões de estudantes sofreram algum tipo de violência somente no ambiente escolar. Embora a produção também mostre como a vítima lida com as agressões, um ponto interessante da série é mostrar o outro lado: o do algoz.
Ao longo dos episódios da primeira temporada, é possível ver como o comportamento do pai, que vez ou outra encoraja a agressividade do próprio filho, reverbera na forma de agir de Rogério. É justamente diante desse olhar que um debate pode ser levantado: como os pais devem agir quando, ao invés de vítimas, os filhos são os algozes em situações de bullying?
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Segundo a psicóloga, Telma Cunha, antes de tudo, é preciso controlar as próprias emoções, já que é comum que situações como essa causem nervosismo e vergonha, podendo fazer com que os pais ajam de forma agressiva e punam o filho diante de outras pessoas. “É importante se controlar para poder fazer uma intervenção assertiva com esse filho. E essa intervenção é educar, é poder conversar, ensinar, fazer um exercício para que aquela criança possa se colocar no lugar do outro e ser empática”, orienta.
Ela diz que é comum também que os pais se sintam constrangidos e que em alguns casos até mesmo neguem o ocorrido por sentirem vergonha ou culpa. “É uma decepção. Mas o principal, nesse momento, é manter a calma e entender que o filho erra, sim, mas que aquela é uma oportunidade de aprender”, aconselha ela, reiterando que cabe aos pais intervir fazendo um trabalho de conscientização para que a própria criança busque reverter a situação, seja com um pedido de desculpas, seja com uma atitude que demonstre o arrependimento genuíno.
A terapeuta breve e educadora parental Carol Miranda acrescenta que é preciso ter um olhar atento e entender que a criança que pratica bullying também precisa ser vista e cuidada, assim como aquela que sofre a violência. “É necessário identificar o que está por trás desse tipo de comportamento para que seja possível agir de forma assertiva para que esse comportamento seja corrigido e cessado”, afirma. “Nosso papel, enquanto pais, é entender o que de fato aconteceu, compreender o que levou a criança a praticar o bullying e descobrir qual necessidade emocional não está sendo atendida, levando-a a ter estes comportamentos”, acrescenta.
Retaliação
Ela destaca também que é preciso evitar certos comportamentos diante de situações desafiadoras. “Qualquer tipo de violência física ou emocional, como retaliação, ameaça, chantagem, agressão ou castigos, deve ser evitada, já que esse tipo de comportamento, por parte dos adultos, gera uma descarga de cortisol no corpo da criança, que é o hormônio do estresse, causando medo, raiva, impotência, insegurança e sentimentos de não pertencimento”, lista. A terapeuta explica ainda que esse tipo de atitude, ao invés de aproximar e criar uma conexão com a criança, acaba tornando-a ainda mais afastada dos pais, o que pode piorar ainda mais o comportamento agressivo.
De acordo com a psicóloga Telma Cunha, é importante focar a sensibilização do filho para que ele compreenda que o que praticou é errado. “E esse é o papel não só dos pais, mas dos educadores. Quando isso acontece na escola, a primeira atitude não é culpar, expor essa criança, mas sim acolher e falar: ‘Olha, o que você está fazendo não está certo, você percebe que isso acabou gerando um constrangimento para o seu colega? Como você se sentiria se isso tivesse acontecendo com você?’ Devemos ensinar essa criança a ser empática e ter paciência, porque as crianças erram. É sofrido ver uma criança como vítima, mas é também doloroso ver uma criança cometendo isso e não tendo a oportunidade de reverter, de rever aquela situação e aproveitar aquilo para aprender a não cometer o erro novamente”, analisa.
Ambiente influencia desenvolvimento da criança
O ambiente no qual a criança está inserida também merece atenção especial. “É muito importante observar o meio no qual a criança está crescendo, com quem ela está convivendo. E isso não se resume somente aos amigos e à família, mas também às redes sociais. Às vezes ela segue alguma pessoa que é muito crítica, que faz comentários que levam a esse tipo de comportamento. Então, é importante ver o que a criança tem consumido. E, com relação aos ambientes, é preciso ver o que ela tem aprendido nesses lugares. O meio influencia muito o desenvolvimento da criança”, afirma Telma Cunha.
Um estudo, desenvolvido em 2017, também demonstrou como a relação com a família pode influenciar o comportamento dos mais novos. Conforme a pesquisa, que entrevistou mais de 2.000 estudantes com idades entre 10 e 19 anos em Uberaba, no Triângulo Mineiro, aqueles que não apresentavam envolvimento com o bullying tinham melhores interações familiares, demonstradas pelo cuidado, afeto e boa comunicação com os pais, que, por sua vez, mantinham boa relação conjugal. Os pais desses estudantes também estabeleciam regras dentro de casa, além de supervisionarem os filhos, sabendo onde eles estavam durante o tempo livre.
Por outro lado, a pesquisa, divulgada em um artigo no jornal da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que as famílias dos estudantes envolvidos com bullying foram consideradas menos funcionais. Também não havia boa comunicação entre os membros da casa. Em entrevista ao periódico da universidade, o psicólogo responsável pelo projeto, Wanderlei Abadio de Oliveira, explicou que tanto crianças que sofrem bullying quanto aquelas que praticam têm histórico de relações mais difíceis com a família. “Essas relações são marcadas pela falta de diálogo saudável e de envolvimento emocional. Também está presente nessas famílias a má relação conjugal entre os pais/cuidadores e, ainda, as punições físicas exercidas pelos pais/cuidadores”, afirmou.
Fonte: O Tempo.