Numa decisão histórica da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em julho de 2024, o Brasil passou a ter uma legislação que regulamenta os jogos de apostas online em todo o país. O setor estava num "limbo legal" desde 2018, quando o então presidente Michel Temer flexibilizou as leis que proibiam a atividade no país.
De lá para cá, uma indústria poderosa se tornou predominante em todo o país. Por meio de patrocínios esportivos, cresceu exponencialmente e caiu no vocabulário do povo brasileiro. As "bets" e o "tigrinho" então se tornaram alvo do governo federal. Entenda, neste artigo, o que muda (e já está mudando) para as empresas responsáveis pela oferta destes serviços e também para os usuários desta plataformas.
Até chegarem às mãos do CCJ, os jogos de azar no Brasil passaram por diversos altos e baixos. Conheça a história dos entraves jurídicos que colocaram esta indústria à margem da lei e o que fez com que voltasse a ser tema na pauta dos seus governantes.
Há quase 80 anos atrás, a indústria de jogos de azar no Brasil desapareceu do dia para noite. O motivo? Eurico Gaspar Dutra, recém inaugurado presidente, assinou um decreto-lei que tornava a atividade ilegal no país.
A justificativa por trás desta ação repentina era a defesa da moral e dos bons costumes. Dutra e a sua esposa eram católicos devotos e não achavam interessante a presença deste tipo de atividade permeando a sociedade. No entanto, para alinharem o país com a sua visão do mundo, destruiram uma indústria que estava de vento em polpa. Haviam cassinos físicos em atividade (e recém inaugurados) por todo o país.
O próprio Cassino da Urca¹, marco arquitetônico carioca, possuía apenas alguns anos em atividade após passar por reformas. Inúmeros trabalhadores viram-se sem poder exercer a sua atividade e as atividades turísticas caíram consideravelmente - exceto pelo Rio, que segue um ponto fora da curva nacional.
Mesmo com o decreto-lei de Gaspar Dutra, as apostas nunca se extinguiram, apenas mudaram de endereço. Na ilegalidade, os jogos de azar que antes habitavam os salões de cassinos suntuosos passaram a ser jogados nas ruas. O Jogo do Bicho, o Bingo e outras formas populares continuaram existindo. Na mão de contraventores e longe da fiscalização governamental, a atividade ilegal passou a ser o sustento de inúmeras operações criminosas.
Com o intuito de frear o monopólio criminal que se estabeleceu no mundo dos jogos de azar, no início dos anos 90, o governo aumentou a oferta de serviços relacionados às apostas pela Lotérica², o serviço de loterias regulamentado e administrado pela Caixa Federal.
Devido a possuírem naturezas e formatos de jogos diferentes, o serviço não se mostrou capaz de rivalizar com os esforços do crime. Durante anos, debates que tratavam esta questão de ordem pública arrastaram-se pelas câmaras ao redor do país.
Somente em 2018, com a promulgação da Medida Provisória 846/2018³, assinada pelo ex-presidente Michel Temer, o país passou a ter novamente o setor de apostas esportivas online como possibilidade de atividade legal.
No vácuo, os jogos de cassino online e semelhantes acabaram se encontrando num limbo legal. Partindo da prerrogativa de que as apostas esportivas estavam descriminalizadas, inúmeras empresas passaram a oferecer os dois serviços, alegando que os jogos que não eram de quota-fixa também deveriam passar pelo crivo da sociedade cível.
Apesar de ambígua, a justificativa era plausível. O esforço laudado por Michel Temer justificava a sua ação como reparação histórica a um desserviço na sociedade: a promulgação de um decreto-lei que não passou por debates institucionais.
Outro fator determinante era diminuir a atividade ilegal nas operações internacionais no país, gerar arrecadamento e desenvolver a indústria de jogos de azar novamente. Vale lembrar que uma das principais pautas do governante era a redução de gastos e aumento da arredacação.
Entretanto, apenas em 2023, no apagar das luzes do Congresso Nacional, que o primeiro avanço relacionado com a regulamentação da indústria de apostas esportivas (ou quota fixa, como é tratado o setor na letra da lei), aconteceu.
No dia 29 de dezembro de 2023, o presidente Lula sancionou a lei, que foi publicado na edição extra do Diário Oficial da Uniáo no dia seguinte. Com a previsão de entrar em vigor em abril de 2024, a Lei 14.790/23 dispunha de dispositivos legais que amparavam o consumidor em relação a práticas predatórias utilizadas pelas mais de 500 marcas que operavam no Brasil e também criava uma tributação para o arrecadamento de vários milhões de reais das empresas e dos ganhos dos jogadores.
Na esteira das regulamentações do setor de jogos de azar, após resolver a situação das apostas de quota-fixa, o CCJ voltou os seus olhos aos jogos de cassino, cassino online, bingo e jogo do bicho. A proposta de lei tramita na Câmara desde 2022⁴, ano em que foi aprovada.
O motivo por trás dos quase 3 anos de tramitação da pauta foi a resistência por parte de parlamentares conservadores e movimentos sociais em realizar a votação. Mas numa votação acirrada (15 a 12) o projeto foi aprovado. Agora o texto segue para a análise do Senado e, caso seja aprovado, deve ser sancionado pelo atual presidente, Luis Inácio Lula da Silva.
A nova legislação promete diversos benefícios sociais e econômicos aos usuários das plataformas de cassino online. Fora do campo jurídico, a indústria também começa a se movimentar para entender as melhorias que deve fazer, como se posicionar e enfrentar os desafios que vão aparecer.
Uma das opiniões mais populares é que o mercado se consolidará, passando a ter menos empresas concorrendo, mas mais qualidade para o usuário. Outra aposta comum é que as marcas internacionais, como a podersa MGM Casinos chegará para disputar o seu espaço sem correr os riscos que outras marca que estão no mercado correram.
Apesar de trazer diversas mudanças, no que tange o uso das plataformas pelos usuários a nova legislação não mudará muita coisa. Diversão continuará a ser garantida, os principais pontos estão relacionados a quem poderá seguir operando e os novos tributos relacionados à atividade.
As empresas interessadas em continuar atuando deverão ter sede no país e realizar a sua licença (em regime de concessão) de funcionamento junto ao Ministério da Fazenda.
Sim, o projeto prevê uma alíquota de tributos para os cassinos online e para os jogadores. Respectivamente, as empresas passarão a pagar 17% sobre a receita bruta obtida, além de uma taxa de fiscalização trimestral.
Já os usuários serão tributados em 20% no Imposto de Renda caso somem valores acima de dez mil reais num período de 24 horas - esse imposto será retido pela plataforma.
Parte da arrecadação será destinada a programas de combate ao vício em jogos de azar, visto que estas doenças são consideradas de saúde pública, e existiu um crescimento alarmante de crimes relacionadas às apostas online⁵.
Caso sejam pegas infringindo a legislação, as empresas poderão receber multas cumulativas até ao valor de R$ 2 bilhões, Além disso, podem ter as atividades suspensas por 6 meses, perder a licença e um banimento por dez anos.
Outros benefícios sociais que a nova legislação trará são as políticas voltadas para defesa do consumidor, crimes relacionados com a lavagem de dinheiro ou ligações com grupos criminosos.
Atualmente cada conta criada numa plataforma deve estar vinculada a um CPF único. Isso garante que não existam casos de falsidade ideológica. Entretanto, a nova legislação prevê que as plataformas devem incluir sistemas de reconhecimento facial no processo de cadastro.
Todas as plataformas deverão ter mecanismos de prevenção ao vício e um sistema de atendimento aos clientes que estejam relacionados ao mesmo. Este sistema e o SAC da empresa devem ser acessíveis em tempo real, para que o Ministério da Fazenda possa fiscalizar o que está acontecendo lá dentro e em tempo real.
Acesso a canais de denúncia devem estar presentes em todas as plataformas, visando a comunicação às autoridades competentes de suspeitas de lavagem de dinheiro ou ligação com grupos criminosos.
Permitir o acesso de menores de idade a plataformas de apostas online passa a ser crime punível com até 2 anos de prisão e multa.
As regras anteriores para quem pode ou não apostar seguem as mesmas: o indivíduo deve ser maior de 18 anos e em sã consciência (ludopatas ou pessoas interditadas judicialmente não podem acessar as plataformas).
Também não será possível utilizar cartões de crédito para realizar depósitos. Os métodos de pagamento disponíveis devem usar o saldo que o apostador tem na sua conta.