Ex-comandante de Operações da Polícia Militar de Brasília, o coronel Jorge Eduardo Naime deu depoimento à CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do DF
Homens e mulheres da Polícia Militar e do Exército Brasileiro desmontam o acampamento bolsonarista em frente do QG, um dia após a frustrada tentativa de derrubada do governo Lula (Foto/Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
O coronel Jorge Eduardo Naime, ex-comandante de Operações da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), disse à CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do DF (CLDF), nesta quinta-feira (16), que havia uma “máfia do Pix” no acampamento de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília.
“A gente já tinha informações sobre o comércio de tendas, em que a pessoa alugava até por R$ 600 para o ambulante vender ali. Tínhamos conhecimento da máfia do Pix, de lideranças que ficavam ali. Não temos nomes, mas elas ficavam no acampamento pedindo para que as pessoas fizessem Pix para manter o acampamento”, disse Naime, que chefiava o Departamento Operacional da PMDF no período do movimento por intervenção militar que culminou nos ataques de 8 de janeiro.
Naime afirmou que o acampamento foi o “epicentro do que aconteceu no DF, do dia 12 (quando houve ataque à sede da PF e depredações de bens privados na área central de Brasília) e do dia 8”.
“Eu estive várias vezes naquele acampamento, eles viviam em uma bolha, não viam o que estava acontecendo fora dali. Parecia uma seita. Idosos em situação de abandono acharam ali um lugar para jogar um dominó, ter companhia. Ali foi o epicentro”, afirmou. “Ali (no acampamento) tinha tráfico de droga, ambulante, prostituição, denúncia de estupro”, completou.
Sobre os atos de vandalismo na área central, na noite de 12 de dezembro, em que ninguém foi preso e a PM demorou a chegar, Naime afirmou que os mentores e financiadores estavam hospedados em hotéis caros, vizinhos à sede da PF.
“No dia seguinte, Fábio Augusto tinha reunião com rede hoteleira e um dos hoteleiros dizia que os caras estavam hospedados no hotel. Eles fizeram a confusão e subiram para o hotel. Quem ficava no acampamento era gente paga. Quem orquestrava estava nos hotéis”, comentou.
Assim como já havia dito em depoimento à Polícia Federal, o coronel afirmou que a PMDF tinha plano para desmontar o acampamento antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República, em 1º de janeiro, mas ele não foi à frente por causa do Exército.
“Coloquei 553 homens à disposição do Exército no dia 29 de dezembro de 2022, para retirar o acampamento. O GDF colocou DF Legal, SLU, estrutura completa, mas a operação foi cancelada. Foi planejada a tarde inteira do dia anterior. O Exército disse como ia atuar, qual seria a atuação de cada órgão. Chegou na hora, nada aconteceu”,contou Naime.
Preso desde 7 de fevereiro, ex-comandante nega qualquer participação nos atos criminosos
O ex-comandante de Operações da PMDF está preso desde 7 de fevereiro, após ser alvo da 5ª fase da Operação Lesa Pátria, da PF, que investiga os atos de 8 de janeiro. O coronel e outros integrantes da PMDF são acusados de omissão e até facilitar a ação dos extremistas que tentavam derrubar Lula, por meio de uma intervenção militar.
Jorge Eduardo Naime, que chegou escoltado à CLDF, falou fadado ao microfone do Plenário da Casa. Ele, que mais de uma vez negou qualquer envolvimento nos atos criminosos de 8 de janeiro, também disse que, enquanto estava no comando do Departamento Operacional da PMDF, registrou no acampamento bolsonatista tráfico de drogas, comércio ilegal de vários produtos, prostituição e até denúncia de estupro.
Foi desse acampamento que saíram os milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, escoltados pela PMDF, para tomada das sedes dos poderes na tarde de 8 de janeiro. Mais de mil deles foram presos na manhã do dia seguinte, também no acampamento, quando se preparavam para deixar Brasília, após a frustrada tentativa de golpe de Estado.
Coronel “vê com estranheza” uso de alunos do curso de formação para conter extremistas
Presidente da CPI dos Atos Antidemocráticos, o deputado Chico Vigilante (PT) afirmou que recebeu um documento enviado à CLDF pela PM dizendo que o efetivo, em 8 de janeiro, era de 200 alunos do curso de formação, enquanto o restante da tropa estava de sobreaviso.
O coronel Jorge Eduardo Naime garantiu ser “normal” o uso de alunos do curso de formação em manifestações ou grandes eventos, mas ressaltou que eles sempre são acompanhados por outros militares, como capitães ou tenentes. Por isso, “vê com estranheza” informações de que apenas alunos de formação da corporação teriam sido usados para conter extremistas que atacaram as sedes dos três poderes da República.
“Me causa estranheza ter usado somente os alunos. Realmente, precisa haver uma revisão nessas escalas e ver se isso realmente aconteceu. Isso foge completamente do que é o nosso padrão”, afirmou o coronel.
O oficial afirmou que militares do Exército dificultaram o trabalho da Polícia Militar na contenção dos radicais que invadiram os prédios públicos em 8 de janeiro. Ele admitiu que a PM tem “uma parcela de responsabilidade”.
Coronel conseguiu habeas corpus para faltar à CPI
Jorge Eduardo Naime conseguiu um habeas corpus preventivo do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) para ter o direito ao silêncio e sequer comparecer à CLDF nesta quinta, alegando um “receio de que possa sofrer constrangimentos emanados daquela CPI”. Mas o oficial decidiu dar seu depoimento à comissão.
Além da PF, a Corregedoria da Polícia Militar investiga a participação de alguns dos seus integrantes nos atos de 8 de janeiro. Naime, um deles, é suspeito de retardar a tropa intencionalmente para permitir a fuga de extremistas que invadiram e quebraram os prédios públicos da Praça dos Três Poderes.
Fonte: O Tempo