Apreensão de bebidas feita pela Receita Estadual (Foto/Receita Estadual/Divulgação)
Três caipirinhas preparadas com vodca falsificada foram o suficiente para deixar a designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos, cega. No dia 19 de setembro, ela comemorava o aniversário de uma amiga em um bar nos Jardins, área nobre da capital paulista, quando bebeu os drinks com metanol. Depois, ela precisou ser intubada, ficou na UTI, e o dano no nervo ótico, até então, é irreversível. Em São Paulo, cinco pessoas morreram em após consumir metanol em bebidas “piratas”. Até o fechamento desta reportagem, outros 12 óbitos eram apurados.
A sequência de apreensões de bebidas falsificadas e os casos de intoxicação por metanol no país expõem a dificuldade de combater a pirataria e o comércio ilegal. Em Minas Gerais, o número de auditores fiscais da Receita Estadual está quase 40% abaixo do ideal – são 1.250 servidores em atividade, quando o quadro deveria ter cerca de 2.000, segundo o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco-MG). “Hoje, nosso Estado conta com 1.250 auditores fiscais, um número considerado insuficiente”, destaca o presidente do sindicato, Matias Bakir.
Além da escassez de servidores, a remuneração dos auditores é a 24ª pior do Brasil, o que tem causado a evasão de profissionais. “Outros estados oferecem melhores condições como melhores salários, regime de teletrabalho e a valorização dos profissionais. Minas recruta, treina e perde mão de obra qualificada”, lamenta Bakir. Conforme dados repassados pelo Sindifisco-MG, a remuneração em Minas está à frente apenas de Paraná, Paraíba e Sergipe.
O salário é ainda menor quando considerado os aumentos durante 20 anos de carreira. Nesse caso, o estado ocupa a penúltima posição, à frente apenas de Sergipe. Segundo Bakir, Minas ficou 19 anos sem realizar concurso público para a Receita Estadual, o que agravou a carência de profissionais. “Em 2023, foram nomeados 430 novos fiscais, mas mais de 100 já pediram exoneração”.
Bakir alerta que a consequência de não ter um número ideal de auditores vai muito além da perda de arrecadação. “A sonegação é um crime que mata milhões de pessoas nas filas dos hospitais, mata a esperança de uma criança por uma boa escola pública e responde pela ausência de policiais nas ruas protegendo a sociedade. Imagina o nível de delinquência de uma pessoa que, além de omitir o pagamento do imposto, ainda vende uma substância adulterada, como se saudável fosse. Ganância é o nome desse desvio”, diz.
Vice-presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Geovanne Teles aprofunda a análise. “Tem pouco pessoal (de fiscalização), pouca tecnologia, além de uma legislação obsoleta. A lei deveria ser mais efetiva, mais pragmática”, destaca. Enquanto a fiscalização é um desafio, resta à população redobrar a atenção, principalmente na questão das bebidas alcoólicas, já que a intoxicação por metanol pode acabar em morte.
O secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, Fábio Baccheretti, faz um alerta sobre preço e procedência. “Os trabalhos de fiscalização são muito importantes, mas outro ponto que vale a pena que o consumidor entenda é que a compra deve ser feita em local que se garanta a origem. Não caia, por exemplo, na tentação de adquirir bebidas muito baratas. Se uma bebida custa em média R$ 50 e está sendo vendida por R$ 20, desconfie. É fundamental que a população se mobilize e compre em locais onde haja garantia da procedência da bebida”, recomenda o secretário.
Saúde em risco: 'Na noite, o que se bebe é falsificado'
Para o delegado Magno Machado Nogueira, chefe da Divisão Especializada de Combate à Corrupção, Investigação a Fraudes e Crimes Contra a Ordem Tributária da Polícia Civil, a falsificação de bebidas é hoje uma das maiores preocupações das forças de fiscalização. Ele lembra que, há três anos, participou da apreensão de toneladas de cachaça produzida com álcool de posto de gasolina.
“O pior, para mim, é o risco à saúde”, reforça. E faz um alerta: “Na noite, o que se consome, na maioria das vezes, é bebida falsificada. Óbvio que há estabelecimentos sérios, mas esses combos vendidos em baladas são, em sua maioria, porcaria”.
Entre as práticas mais comuns, explica, está o uso de líquidos de baixa qualidade em garrafas de marcas famosas. “Cada bebida tem um tipo de falsificação”. Um levantamento feito em abril pelo Núcleo de Pesquisas e Estatísticas da Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo (Fhoresp) confirma o preocupante cenário: 36% das bebidas comercializadas no Brasil são falsificadas, adulteradas ou contrabandeadas.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) destaca que os estabelecimentos também são vítimas dos criminosos. “A falsificação e adulteração de bebidas são crimes graves contra o consumidor, que colocam em risco a saúde da população e geram prejuízos diretos aos estabelecimentos sérios e comprometidos com a legalidade”. A Abrasel acrescenta que “nenhum dono de bar ou restaurante agiria de má-fé sabendo da possibilidade de contaminação.
Saiba mais:
Resposta
O governo de Minas foi questionado sobre o déficit de auditores fiscais no estado. Além disso, foi perguntado sobre a desvalorização da categoria, que recebe o 24º pior salário do país. O Estado não havia respondido à demanda até a publicação desta reportagem.
Operação
Em 6 de outubro deste ano, a Polícia Civil de Minas Gerais apreendeu cerca de 100 garrafas de bebidas alcoólicas com suspeita de falsificação em uma loja em Bom Jesus da Penha, no Sul do Estado.
Fonte: O Tempo