SAÚDE PÚBLICA

Maioria do STF vota para derrubar decisão de Barroso que autoriza enfermeiro a fazer aborto legal

Barroso concedeu liminar para que outros profissionais além dos médicos possam realizar procedimento, mas seis ministros logo apresentaram voto contrário

Renato Alves/O Tempo
Publicado em 18/10/2025 às 11:58
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O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de votos para derrubar decisão do ministro Luís Roberto Barroso que autorizou na sexta-feira (17) que enfermeiros e técnicos em enfermagem podem ajudar na prática de abortos previstos em lei: em casos de estupro, risco à saúde da gestante e de fetos anencéfalos. O magistrado também garantiu que os profissionais não podem ser punidos.

As decisões foram proferidas em duas ações protocoladas por entidades que apontaram precariedade da saúde pública na assistência de mulheres que buscam a realização de aborto legal em hospitais públicos. Barroso entendeu que enfermeiros e técnicos em enfermagem podem atuar na interrupção da gestação, desde que tenham formação profissional para atuar em casos de aborto medicamentoso na fase inicial da gestação.

Barroso deferiu uma liminar, que está submetida a referendo do Plenário em sessão virtual extraordinária – , onde os votos são inseridos no sistema eletrônico– que termina em 24 de outubro. O caso começou a ser julgado na noite desta sexta-feira no plenário virtual.

Logo o ministro Gilmar Mendes votou pela derrubada da medida. Para ele, não havia risco de que a ausência de deliberação da Corte causasse um dano grave. “Nesse sentido, entendo que a ausência de qualquer fato novo que justifique a atuação monocrática do Ministro Relator [Barroso], além de impedir, a rigor, a concessão de medida cautelar, denota a absoluta ausência de periculum in mora”, escreveu.

O voto de Gilmar foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Kassio Nunes Marques. Como o Supremo tem 11 ministros, os seis votos já são suficientes para derrubar a decisão de Barroso.

Barroso concedeu liminar pedida por entidades

Barroso ressaltou que a medida não significa que não há necessidade do atendimento médico. Trata-se de afastar a possibilidade de punição criminal de profissionais de enfermagem. Na mesma decisão, ele estabeleceu que os órgãos públicos de saúde não podem criar obstáculos não previstos em lei para o aborto legal, em especial referentes à restrição da idade gestacional e à exigência de registro de ocorrência policial. 

A liminar foi concedida nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 989 e 1207. Na primeira, entidades da sociedade civil, como a Sociedade Brasileira de Bioética e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, pedem o reconhecimento da violação massiva de direitos fundamentais na saúde pública em razão das barreiras ao aborto legal. Na segunda, associações de enfermagem e o Psol pedem que, além de médicos, outros profissionais de saúde possam atuar nos procedimentos.  

Barroso afirmou que a interpretação literal pelo Poder Judiciário da regra do artigo 128 do Código Penal, que admite que “médicos” façam o procedimento nessas situações, contribui para a omissão da política de saúde. Segundo ele, em um cenário de “vazio assistencial”, limitar o espectro de profissionais que podem atuar no cuidado dessas meninas e mulheres contribui para que seus direitos sejam violados.  

Barroso também determinou a suspensão de procedimentos administrativos e penais e de processos e decisões judiciais contra profissionais de enfermagem que prestem auxílio à interrupção da gestação nas hipóteses em que ela é legalmente legítima.  

Barroso vota para que aborto até 12ª semana de gestação não seja crime

O ministro tomou a decisão no último dia no Supremo. Ele se aposenta do tribunal neste sábado (18/10). Em um ato de despedida que ecoa simbolismo político e jurídico, o ministro votou, também na sexta-feira, para que mulheres que interrompam a gravidez até a 12ª semana de gestação não sejam criminalizadas. O posicionamento foi registrado no plenário virtual da Corte.

De acordo com Barroso, a interrupção da gravidez deve ser tratada como uma “questão de saúde pública, não de direito penal”. “A criminalização penaliza, sobretudo, as meninas e mulheres pobres, que não podem recorrer ao sistema público de saúde para obter informações, medicação ou procedimentos adequados”, disse.

O ministro argumentou ainda que as mulheres têm autodeterminação para fazer suas escolhas. “Têm o direito fundamental à sua liberdade sexual e reprodutiva. Direitos fundamentais não podem depender da vontade das maiorias políticas. Ninguém duvide: se os homens engravidassem, aborto já não seria tratado como crime há muito tempo”, frisou.

Antes do voto, quando foi questionado sobre o que decidiria sobre o assunto, Barroso afirmou que ninguém é a favor do aborto. “O aborto é algo que deve ser evitado com educação sexual, acesso a contraceptivos e apoio à mulher que deseja levar a gestação adiante. O que defendo é que quem passou por esse infortúnio não deve ir presa”, afirmou Barroso. “A criminalização tem efeito perverso, principalmente sobre as mulheres pobres”, concluiu. 

O voto foi incluído na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ação proposta pelo Psol em 2017 que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana. Barroso seguiu o entendimento da ministra Rosa Weber, que, em 2023, também registrou seu voto favorável à medida no último dia antes da aposentadoria.

A manifestação do ministro ocorreu na mesma semana em que o Congresso Nacional tomou duas decisões em sentido contrário. A Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou um projeto que proíbe o aborto após a 22ª semana de gestação, mesmo em casos de estupro, e setores conservadores da Câmara intensificaram a articulação para endurecer penas em situações de aborto legal.

O contraste entre as posições do Supremo e do Legislativo acentua o embate sobre direitos reprodutivos no país — tema que volta a dividir opiniões em meio à disputa eleitoral e às pressões de grupos religiosos.

Defesa das liberdades civis, da igualdade de gênero e da autonomia individual

Barroso deixa o STF após 12 anos na Corte e com uma trajetória marcada por votos em defesa das liberdades civis, da igualdade de gênero e da autonomia individual. Seu voto na ADPF 442 – assim como o de Rosa Weber – consolida uma tentativa de inscrever no registro da história do Supremo uma visão mais humanizada sobre o aborto no Brasil.

Apesar de o presidente Edson Fachin ter aberto a sessão extraordinária até às 23h59 da próxima segunda-feira (20/10), o ministro Gilmar Mendes pediu destaque logo após Barroso ter protocolado o voto. Assim, o julgamento voltará ao plenário físico, mas sem data prevista. 

Se a maioria acompanhar Barroso e Rosa Weber, o Brasil poderá avançar para descriminalizar o aborto nas 12 primeiras semanas de gestação – um passo que alteraria uma legislação vigente desde 1940.

A tendência, no entanto, é que um novo destaque ou pedido de vista seja apresentado, voltando com o tema para a gaveta de pautas da presidência da Corte. 

Fonte: O Tempo.

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