Isaque tem 19 anos e atualmente está fazendo faculdade. Gabrielle, aos 23, atua com ciência de dados. Benjamin, aos 4, atravessa a cidade com sua mãe para fazer diferentes terapias em busca de um futuro de maior independência. Todos eles têm Transtorno do Espectro Autista (TEA) e enfrentam diferentes desafios diários para mostrarem que estão à frente de qualquer diagnóstico. Neste domingo, dia 18, é celebrado o Dia do Orgulho Autista.
Os autistas, como todos, são pessoas diversas. “Eu desejo ser reconhecido pelas minhas competências”, desabafa Isaque Roberto Zulato Henriques, que cursa sistema de informação e foi diagnosticado com TEA aos 8 anos. O universitário conta que se incomoda quando falam que ele nem se parece com autista. “O autismo dói e não tem cara. Eu me esforço para concentrar, para não ficar desorganizado por causa de barulho, ônibus, buzina, grito..”, diz.
Isaque cursa sistema de informação e já faz estágio na área de TI em Contagem. Desde a infância, teve acompanhamento com neuropsicólogo, fonoaudiólogo e sessões de terapia ocupacional. “Eu hoje converso melhor, mas às vezes eu não sei explicar direito certas coisas e tenho que me acalmar pra explicar. Mas eu consigo fazer muitas coisas”, diz.
Erika Pavoleti, de 40 anos, não costuma informar sua profissão: ela se apresenta como mãe atípica do Benjamin. Mas hoje em dia pode ser chamada também de escritora. Está em pré-lançamento seu livro ‘Quem vai à escola hoje?’, que fala sobre inclusão no ambiente escolar.
O filho, hoje com 4 anos, nasceu prematuro, com má formação e necessidade de cuidados especiais. Em 2021, ela descobriu que ele era autista. Desde essa época, a criança faz terapia de segunda a sábado.
O dia da família começa sempre cedo. Às segundas, às 9h, mãe e filho já saem de casa, em Venda Nova, quase Justinópolis, rumo ao Barreiro, onde a criança faz um de seus acompanhamentos. Às quartas, o menino faz equoterapia, assistida por cavalos, e também interage com Hope, um filhote de golden retriever, num projeto da Una Linha Verde. A iniciativa da universidade atende 15 pacientes e, além de cavalos e o cãozinho, conta com calopsitas, vaca, bode e ovelha. O objetivo destas terapias é promover o desenvolvimento por meio da conexão afetiva.
Mesmo com marido desempregado, vivendo de bicos, e se dedicando integralmente aos cuidados da criança, Erika fez um plano de saúde para que Benjamin tenha acesso a quantidade máxima possível das 30 horas semanais de terapia que são indicadas para pessoas do espectro. Depender unicamente do Sistema Único de Saúde é um desafio para pais de filhos com TEA.
Ativista da causa da inclusão autista, Erika divulgou em abril um estudo, feito em parceria com a Comissão das Associações de Defesa dos Direitos dos Autistas (CADDA) para o Fórum-TEA Nível Central, que mostra a insuficiência dos serviços públicos oferecidos às pessoas do espectro em Belo Horizonte.
Foram 504 pessoas entrevistadas. Destes, 301 (59,72%) disseram que contrataram plano de saúde porque não conseguiam atendimento no SUS. Outros 341 disseram que a pessoa autista da família precisa tomar medicação controlada, mas que este remédio é comprado. Cerca de 224 disseram que ainda esperam vaga para serem atendidos pela equipe complementar de saúde mental. E apenas 86 fazem atendimento psiquiátrico numa rede ligada ao SUS ou um posto de saúde.
Segundo o estudo, a mãe é a cuidadora principal da pessoa autista em 461 casas e em 249 casos elas ainda esperam por acompanhamento psicológico oferecido pela rede municipal. Erika, por exemplo, já teve depressão e desenvolveu transtorno de ansiedade e do pânico devido à sua realidade extenuante.
Em resumo, o levantamento mostrou que para ter acesso à fonoaudiólogos, psiquiatras, psicólogos e a sessões de terapia ocupacional e musicoterapia, muitas famílias de Belo Horizonte recorrem a serviços privados. Outras dezenas estão à espera de vaga no SUS.
Em maio, o governador Romeu Zema (Novo) vetou uma emenda que garantia a prioridade de criação de centros de referência para o autismo em Minas. Os movimentos da causa autista mobilizaram um abaixo-assinado contra o veto. “Se tivéssemos um centro especializado para a pessoa autista em Minas, teríamos adultos funcionais, rentáveis para o governo. A neuroplasticidade [capacidade do sistema nervoso modificar sua estrutura e função em decorrência dos padrões de experiência] acaba com 5 anos de idade”, explica Erika.
O psicólogo Maximiliano Rodrigues, especialista em psicologia social, explica que pesquisas científicas e as práticas clínicas têm demonstrado que tanto o diagnóstico quanto o tratamento do espectro necessitam de uma abordagem multidisciplinar. Segundo ele, o acompanhamento com diferentes profissionais busca, sobretudo, a redução das dificuldades de comunicação e interação social, contribuindo, assim, para o desenvolvimento físico, psicológico e comportamental das pessoas com TEA. “É importante ressaltar que o diagnóstico e o tratamento precoce vão auxiliar em manejos que poderão garantir mais autonomia e qualidade de vida da pessoa com TEA e dos seus familiares”, destaca Rodrigues.
Segundo a fisioterapeuta e equoterapeuta Ana Paula Fagundes, da Una, os animais utilizados nas terapias auxiliam no desenvolvimento adequado para o paciente através da sua motivação afetiva. “O cão como coterapeuta traz inúmeros benefícios em outros âmbitos conhecidos através da interação homem-animal, tais como a melhoria do comportamento social e das relações interpessoais, diminuição do isolamento social e solidão, melhora do humor (estados depressivos), redução da ansiedade, redução da frequência cardíaca e da pressão arterial, além de aliviar estados dolorosos e melhoria da imunidade”, explica a fisioterapeuta.
Famílias acionam a Justiça para garantir tratamentos a autistas pelos planos
Se o cenário no SUS é de escassez da oferta de terapias, nos planos de saúde a realidade é de muita luta e processos para garantir atendimento às pessoas com Transtorno do Espectro Austista. No caso de Erika, ela e o filho atravessam a cidade, pegando três ônibus diariamente, porque a operadora não oferece atendimento mais próximo da residência dela. “Gasto mais tempo de ônibus do que com terapia”, conta a mãe.
Em abril, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o tratamento multidisciplinar – inclusive com musicoterapia – deve ser coberto de maneira ampla pelo plano de saúde Amil para pessoas com TEA. Familiares de pessoas autistas comemoraram a decisão porque ela serve de precedente para casos similares no país.
Outra reclamação recorrente das famílias em relação aos planos é a dificuldade em seguir com o tratamento sempre com o mesmo profissional. O universitário Isaque Roberto Zulato Henriques, diagnosticado com espectro autista nível 1 de suporte (menor necessidade de apoio), conta que ficou muito confuso no ano passado com a troca recorrente de profissionais. “Uma das minhas dificuldades por causa do TEA é a inflexibilidade mental. Quando troca a minha rotina ou o profissional que está me acompanhando, acabo demorando muito para me acostumar. Isso era bem cansativo”, lembra. A mãe dele precisou notificar o plano para garantir uma previsibilidade na rotina do jovem.
A analista de dados Gabrielle Ramos, que também tem autismo, conta que, em dezembro, teve problemas com o plano da Unimed, que limitou suas sessões de terapia. “Estavam me jogando para o fim da fila, não conseguia acompanhamento porque o plano não liberava. Por lei é proibido”, ressalta.
Fonte: O Tempo