Brasileiros pagam trilhões em impostos todos os anos (Foto/Daniel Dan/Pexels/Reprodução)
Nesta quinta-feira (06/06), lojas de Belo Horizonte preparam uma vitrine de ofertas, parte do Dia Livre de Impostos (DLI). É o momento em que, anualmente, os consumidores podem comprar diferentes produtos com o preço que teriam caso não tivessem impostos embutidos — a gasolina, por exemplo, cai para R$ 3,76 em um posto da capital. A ideia é conscientizar sobre o peso dos tributos no dia a dia dos brasileiros. E números comprovam: entre os países com a maior carga tributária do mundo, a população brasileira é a que paga mais impostos e recebe menos em troca por isso.
Não é possível existir uma sociedade nos moldes atuais sem impostos. Afinal, são eles que subsidiam os serviços públicos e garantem aposentadorias, estradas, hospitais, educação. Mas, com tantos tributos pagos pelos brasileiros, a qualidade de tudo isso não deveria ser melhor? É a pergunta que guia o Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes), que mede qual é a contrapartida que a população recebe pelo pagamento dos tributos. Há pelo menos 13 anos, desde que ele começou a ser medido, o Brasil permanece com o pior resultado.
O índice é medido todos os anos pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), que reúne estudiosos sobre planejamento tributário. A edição de 2024 do estudo reforça o que se repete desde 2011: entre os 30 países com a maior carga tributária, o Brasil fica em último lugar na lista de locais onde esse dinheiro é revertido em mais qualidade de vida.
“Você consegue perceber isso quando, em vez de receber do governo a melhoria de vida, tem que pagar por serviços particulares. Se você não tem um bom sistema público de ensino, tem que colocar seu filho em uma escola particular. Tem que pagar uma assistência médica se não quiser ir para o SUS. Tem que pagar pedágio nas estradas, quando é o governo que deveria oferecer estradas de ótima qualidade. Tem que pagar por segurança, colocar grades e alarmes em casa. O governo arrecada bastante, mas não dá o retorno devido que deveria”, introduz o vice-presidente executivo do IBPT, João Eloi Olenike.
O estudo do IBPT leva em conta a arrecadação fiscal total de 2022 (R$ 3,2 bilhões), o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil naquele ano (R$ 9,9 trilhões) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) (0,760, em um total de 1). No caminho entre a arrecadação e a melhoria da qualidade de vida da população, está a gestão da verba pública. “A questão não é pagar menos impostos. Pagamos uma carga alta, mas o problema não está aí, porque todo país precisa arrecadar. O problema está do outro lado, nos gastos públicos, que a gente não gaste naquilo que precisa gastar. Há muitos desvios de valores arrecadados que não chegam onde deveriam”, completa Olenike.
“Para onde vão nossos impostos? Porque o povo os paga, eles são compulsórios. Não podemos falar que não vamos pagar um imposto. Atreva-se a fazer isso para ver...Sempre temos que desconfiar de todo e qualquer governo, seja roxo, amarelo ou azul, porque ele está fazendo mau uso do dinheiro. O meu dinheiro saiu do bolso, o seu saiu, todos estamos sujeitos à tributação. Não vemos ninguém falar que nada diminuiu, os impostos só aumentam. E falam na maior cara de pau que vão ter que aumentar isso para pagar aquilo”, revolta-se a coordenadora institucional do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais (MDC-MG), Solange Medeiros.
Brasil oferece desafios tão grandes quanto sua arrecadação
Até a última terça-feira (03/06), os brasileiros pagaram cerca de R$ 1,5 trilhão em impostos, de acordo com o Impostômetro, plataforma de contabilização organizada pelo IBPT e outras entidades.
Se a arrecadação tributária do Brasil é enorme, os desafios do Estado para gerenciá-la são igualmente volumosos, avalia o professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Gabriel Quintanilha. “O Brasil é um país continental, o que dificulta demais a gestão da coisa pública. É fácil culpar só a má gestão. Ela existe e está presente, mas também devemos levar em consideração o tamanho e as peculiaridades regionais do nosso país. No frigir dos ovos, o que ocorre é que o poder público arrecada muito e tem dificuldade de fazer a gestão de acordo com as necessidades regionais do país. Tomemos como exemplo a pandemia, quando o auxílio emergencial foi pago a quase 80 milhões de brasileiros. Isso é mais do que a população da Espanha inteira. A gestão disso é complexa”, argumenta.
O primeiro colocado do ranking do IBPT é a Irlanda, um país com 5,2 milhões de pessoas e uma área oito vezes menor que a de Minas Gerais. Os EUA, com uma população e uma área mais próximas do Brasil, também guardam diferenças profundas de gestão com o Estado brasileiro, pondera o professor. Para além das comparações entre diferentes países, ele defende que os brasileiros sejam mais ativos em cobrar o bom uso do dinheiro público.
“O povo precisa ter mais cidadania fiscal, conhecimento do que é arrecadado e de como isso é gasto. Os municípios têm Orçamento Participativo e ele é obrigatoriamente disponibilizado para a população exigir uma contrapartida. Os tributos são fundamentais para o Estado. Mas qual Estado queremos? Precisamos de consciência eleitoral, de entender o que seu candidato pretende fazer, que linha vai adotar. E, a partir do momento em que ele for eleito, cobrar”, provoca.
A reforma tributária, na perspectiva dele e do vice-presidente executivo do IBPT, João Eloi Olenike, não soluciona o problema, pois pode simplificar, porém não diminuir o pagamento de impostos no Brasil. Para Olenike, é necessário desenhar alternativas de justiça tributária com as quais pobres paguem menos impostos do que ricos. Isso não é possível, aponta ele, quando a tributação pesa sobre o consumo.
“Com a reforma tributária, infelizmente continuaremos com a tributação sobre o consumo. Ela é muito pesada, porque penaliza as pessoas mais pobres, pois todos pagam igual no consumo. Não existe diferenciação entre quem tem mais e quem tem menos dinheiro”, pontua ele. Isto é, ao comprar arroz e feijão, tanto ricos quanto pobres pagam os mesmos impostos sobre esses produtos. A regulamentação da reforma, que ainda é discutida no Congresso, pode trazer opções, como a devolução de parte dos impostos para a população mais pobre — o chamado cashback — e a isenção de itens da cesta básica.
Confira o ranking de retorno dos tributos à sociedade por país:
Fonte: O Tempo