COMPORTAMENTO

DIX: por que adolescentes estão se refugiando em perfis secundários no Instagram?

Adolescentes relatam que se sentem mais livres de julgamentos em contas restritas, mas especialista alerta para riscos

Alex Bessas/O Tempo
Publicado em 18/03/2025 às 09:55
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Saiba o que é DIX, refúgio de adolescentes no Instagram (Foto/fizkes/iStockphoto)

Saiba o que é DIX, refúgio de adolescentes no Instagram (Foto/fizkes/iStockphoto)

Quem frequentou os primórdios das redes sociais deve guardar lembranças do clima despretensioso antes reservado a esses espaços. As fotos, em uma era anterior ao crescente poder das câmeras e aplicativos de edição dos smartphones, eram geralmente postadas aos montes, em álbuns, mesmo sem muita definição ou cuidado com ângulos e luzes. Algumas plataformas eram usadas quase como um diário, como um repositório de pequenos registros da vida cotidiana.

Hoje, essas dinâmicas são outras. Tanto que, agora, parece fazer mais sentido classificar como “plataformas de conteúdo” muitos desses espaços que, um dia, foram redes sociais. O Instagram, que ostenta mais de 2 bilhões de usuários, mais de 130 milhões no Brasil, parece ter se convertido em uma espécie de cartão de visitas extra-oficial – não só pelas vários perfis profissionais conectados a essa rede, mas também pela profissionalização que os registros da vida comum ganharam, com fotos e vídeos cuidadosamente trabalhados para serem dignos de um post.

É também para escapar dessa lógica social que jovens da Geração Z, aqueles nascidos em meados da segunda metade de 1990 e o início dos anos de 2010, têm migrado para contas alternativas mais restritas no próprio Instagram. São os chamados DIX. A ideia, a grosso modo, é manter o perfil oficial, que pode ser aberto, como uma fachada cenográfica, com poucas publicações, que são selecionadas a dedo, enquanto o perfil secundário, sempre fechado, é reservado apenas aos amigos mais próximos e onde as publicações são mais fartas e pessoais. Então, se a foto bonitinha antes de uma festa vai para a primeira conta, o desenrolar da noite certamente fica no DIX.

Tanta discrição pode, sim, esconder armadilhas, mas, ao mesmo tempo, não quer dizer que esses perfis vão ser destinados, necessariamente, a publicar mal-feitos. Em alguns casos, a intenção parece ser restituir aquela camada de inocência e espontaneidade que as redes sociais já tiveram. É o que garante um trio de amigas, todas estudantes de 17 anos do 3º ano do Ensino Médio, ouvidas pela reportagem.

“O intuito era exatamente postar conteúdos que nem todos poderiam acessar, como uma maneira de compartilhar os acontecimentos do meu dia a dia, sem sentir aquele julgamento de todos”, conta Amanda Gomes. Já Jhenyffer Souto explica que criou o perfil inicialmente para salvar fotos que estavam no seu celular e liberar espaço. “Com o tempo, eu comecei a usá-la como um espaço que eu poderia compartilhar minha vida pessoal sem filtros e da maneira que eu achasse melhor”, indica. É mais ou menos o mesmo sentimento que levou Kamilly de Oliveira a também aderir ao DIX. “Criei para conseguir postar fotos que considerava legais, mas tinha receio de postá-las no meu Instagram principal, talvez por medo de julgamento ao mostrar a minha personalidade e minha aparência mais natural do dia a dia”, detalha.

Um espaço mais privado

Para a psiquiatra Júlia Khoury, que pesquisa temas relacionados à interação de crianças e adolescentes com as plataformas digitais, a principal motivação para a criação de contas alternativas tem a ver com a busca por privacidade, principalmente em relação aos não pares, ou seja, às pessoas que não têm a mesma idade, como adultos, idosos e crianças. Faz sentido, considerando que o Instagram, tão popular no Brasil, congrega familiares próximos, parentes remotos, vizinhos e até o cachorro da amiga da mãe desses adolescentes.

“A lógica é simples: compartilhar práticas que são comuns entre eles, mas que não gostariam que fossem vistas por outras pessoas. Ou seja, é um ambiente onde eles se sentem mais seguros para expor comportamentos que são normais entre adolescentes, mas que podem ser interpretados como de transgressão pelos adultos, evitando-se, portanto, críticas e julgamentos”, complementa.

Júlia avalia que a escolha pode refletir ainda uma fobia de exposição e uma necessidade de estar, por mais tempo, longe de outras dinâmicas dessas mesmas redes sociais, onde a visibilidade pode gerar ansiedade, sensação de inferioridade, comparação, pressão social. E, claro, a atitude pode representar uma fuga do controle dos pais e de outros cuidadores.

“Além disso, essas contas alternativas estão relacionadas à formação da personalidade dos adolescentes, uma fase da vida marcada pela construção da identidade e atravessada por muita instabilidade. É quando estamos buscando nosso lugar no mundo, elaborando nossa forma de ser e de pensar em relação a nós mesmos, aos outros e ao mundo. E o fato de ter esses perfis mais privados, além de causar uma sensação de pertencimento ao grupo, também ajuda esses indivíduos a se sentirem validados”, analisa.

Sensação de segurança é ilusória

Embora não se surpreenda com a popularização das contas DIX entre pessoas da Geração Z, Júlia Khoury lembra que, até os 18 anos, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que os pais tenham controle sobre o conteúdo que seus filhos consomem nas plataformas digitais. “Então, essas redes privadas não são indicadas e, quando existem, os pais têm que saber que tipo de sobre o que está sendo exposto, absorvido e consumido”, sinaliza.

Ela aponta que um dos principais riscos associados ao uso de contas privadas vem de uma falsa sensação de segurança. “Se você acha que está em um ambiente seguro, vai se sentir a vontade para postar e falar coisas de forma mais descuidada. O problema é que esses conteúdos podem vazar e, a depender do teor, desencadear uma série de complicações, como episódios de bullying e cyberbullying”, aponta. 

Além disso, a psiquiatra cita o risco de, sugestionados por essa aura de segredo e cumplicidade, o grupo se influencie mutuamente a comportamentos de risco, como uso de álcool e outras drogas ou o acesso a conteúdos inadequados para a idade.

Dicas

“Para conscientizar os adolescentes desses riscos sem parecer que estão tentando controlá-los, os pais devem explicar suas preocupações e mostrar que se preocupar é diferente de implicar”, situa Júlia. Ela reconhece ser comum que os filhos, nessa fase da vida, interpretem intervenções como simples implicância dos pais. “Quando, mais que dar uma ordem, explicamos todos os tipos de consequências, mostrando que algumas delas são irreversíveis tanto para eles quanto para as pessoas ao redor, teremos mais chance de nos fazer compreender”, reforça.

A especialista menciona que um bom indício de que o uso não está ultrapassando limites razoáveis está na forma como o adolescente usa essas redes: “Se ele está consumindo esses conteúdos em locais públicos da casa, em que os pais possam ver o que ele está fazendo a qualquer momento, é um bom sinal, pois tem menos chances dele estar envolvido em atividades perigosas ou proibidas para sua idade”. Por outro lado, se o uso ocorre às escondidas, vale ligar o sinal de alerta. 

Júlia finaliza com um conselho aos adolescentes: “O DIX não é a única e melhor forma de preservar a privacidade, o que pode ser feito, inclusive, privilegiando os relacionamentos de amizade na vida real, mais do que nas plataformas digitais”.

As polêmicas envolvendo o Instagram e os adolescentes

O alerta da psiquiatra Júlia Khouri, carregado de desconfiança sobre as dinâmicas nas plataformas digitais, tem sua razão de ser. Afinal, não são poucos os exemplos de como a relação de adolescentes e redes sociais pode ser problemática.

É o que mostram documentos de 2021, vazados por Frances Haugen, ex-funcionária da Meta, controladora do Instagram. Os arquivos oficiais indicaram que a empresa sabia que o Instagram era prejudicial à saúde mental dos adolescentes, especialmente das meninas. Segundo as próprias pesquisas internas, a plataforma exacerbava problemas como ansiedade, depressão e distúrbios alimentares, mas nada foi feito para minimizar os problemas.

Somada a outras polêmicas envolvendo as redes sociais e os usuários adolescentes, os vazamentos levaram a reações em diversas partes do mundo. 

  • Nos Estados Unidos, legisladores propuseram projetos de lei para proteger adolescentes dos danos causados por redes sociais. Um deles, o Kids Online Safety Act (Kosa), se for aprovado, obrigaria plataformas como o Instagram a limitar as recomendações algorítmicas para crianças e adolescentes, além de aumentar os mecanismos de controle parental, entre outras medidas.
  • A União Europeia propôs regras semelhantes no âmbito do Digital Services Act (DSA), lei que permite aos usuários da UE desativar os algoritmos de personalização, evitando conteúdo moderado por IA e retornando a uma interface cronológica em algumas redes sociais.
  • Já no Reino Unido, foi instituída, em 2023, a lei Online Safety Bill, que regula o conteúdo online prejudicial e ilegal, abordando temas como a proteção de crianças de conteúdo prejudicial, a remoção de conteúdo ilegal, como abuso sexual infantil, e o combate à publicidade fraudulenta.

Fonte: O Tempo

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