Figura emblemática do folclore brasileiro é símbolo da valorização da cultura popular, mas ainda é pouco explorado artisticamente
Izak Dahora interpretou o Saci no 'Sítio do Picapau Amarelo', entre 2001 e 2007 (Foto/Acervo/TV Globo)
O dia 31 de outubro é mundialmente conhecido como Halloween ou Dia das Bruxas. A festa tem origem irlandesa, se popularizou nos Estados Unidos, e hoje é comemorada em diferentes países, inclusive no Brasil. Mas por aqui é outra figura – bem tupiniquim, por sinal, – que ganha destaque nesta data: o Saci.
Nesta quinta-feira (31), celebra-se o dia deste personagem emblemático do folclore brasileiro. A data foi oficializada em 2013 após apresentação do Projeto de Lei Federal n.º 2.762, de 2003, e a ideia para a criação da efeméride partiu de um grupo de entusiastas da cultura popular, com objetivo de valorizar “figuras folclóricas que se refiram às tradições brasileiras.”
O Saci-Pererê é um ser mítico que vive nas florestas. Ele é um menino preto, tem uma perna só, usa um gorro vermelho, fuma cachimbo e aparece sempre dentro de redemoinhos. É conhecido por ser travesso e brincalhão e gosta de pregar peças nas pessoas fazendo traquinagens, como espantar animais, trocar o sal por açúcar, roubar ovos das galinhas e trançar as crinas dos cavalos.
No entanto, ele não vive apenas de travessuras. O Saci também é visto como um guardião da floresta e um profundo conhecedor de ervas e plantas medicinais”, afirma a escritora Paula Furtado.
Ela é autora de uma série de livros que apresenta, figuras folclóricas para crianças, por meio de adivinhas, trava-línguas, parlendas e brincadeiras contadas pela turminha de Mauricio de Souza.
“O Saci-Pererê é uma das figuras mais conhecidas do folclore brasileiro. Sua origem remonta às tradições indígenas, nas quais era retratado como um curumim (menino) travesso com duas pernas. Com a chegada dos africanos escravizados, a figura do Saci sofreu modificações, passando a ser representado como um menino negro com uma perna só, usando um gorro vermelho”, explica.
O Saci foi popularizado pelo “Sítio do Picapau Amarelo”, obra de Monteiro Lobato, que ganhou cinco versões para a TV. O ator Izak Dahora interpretou o Saci na mais recente delas, exibida na TV Globo entre 2001 e 2007. Na avaliação dele, o personagem é muito representativo quando se fala em cultura brasileira.
“O Saci é feito a partir de diferentes contribuições. O gorro dele seria uma referência aos romanos escravizados que tinham conseguido a liberdade; a cor do Saci representa os povos africanos; e nome dele vem do tupi guarani Yaci-Yaterê. Ou seja, é um personagem que aglutina três culturas fundamentais do nosso povo: africana, europeia e indígena”, enfatiza.
Dahora conta que, mesmo anos depois de ter ido ao ar, ainda é conhecido pelo papel do menino do sítio. “Muita gente me escreve dizendo que fiz parte da infância dela. O Saci é uma alegria grande na minha vida, um trabalho muito importante, em que pude criar laços com pessoas que até hoje tenho contato”, comenta.
O ator tinha 12 anos quando passou no teste para viver o pequeno travesso. “Gravei dos 13 aos 18 anos. O ‘Sítio’ foi uma continuação da minha infância. Eu era um garoto bem urbano, mas as gravações me fizeram ter experiências novas, como andar a cavalo e pular de árvore em árvore”, relembra.
Representações do Saci
Além do “Sítio do Picapau Amarelo”, o Saci aparece em outras produções artísticas, como “A Turma do Pererê”, série de histórias em quadrinhos de Ziraldo publicada pela primeira vez em 1959, e “Cidade Invisível”, série da Netflix com duas temporadas, que estreou em 2021.
Especializada em contação de histórias, a escritora Paula Furtado conta que percebe que figuras do folclore ainda são subutilizadas em produções artísticas. “Isso representa uma oportunidade para que mais artistas contemporâneos explorem essas histórias e personagens que fazem parte da nossa identidade cultural”, aponta.
Professor de cinema na Estácio do Rio e doutorando em artes pela UERJ, o ator Izak Dahora afirma que o Saci e outras figuras do folclore brasileiros ainda são pouco exploradas em função da forma como a identidade brasileira foi moldada.
“Temos um passado de colonização cultural que impede de ver valor o próprio lugar de origem como ponto de interesse, de maneira a acreditar que as produções nacionais são inferiores. E isso leva tempo para ser desconstruído, porque temos uma cultura muito forte de consumir o que vem de fora. Não há problema nisso, desde que tenhamos também sensibilidade de olhar para as coisas que nós mesmos produzimos”, aponta.
Por isso, a relevância de comemorar datas como a desta quinta-feira. “A importância de comemorar o Dia do Saci vai além de celebrar um personagem. É uma oportunidade de resgatar e valorizar nossas raízes culturais, reforçando a importância do folclore como parte da identidade nacional. Ao celebrar o Saci, estamos ensinando às novas gerações sobre a riqueza cultural do Brasil e mostrando que nossas tradições têm tanto valor quanto as influências estrangeiras. Essa comemoração também é uma forma de fortalecer a identidade cultural brasileira, promovendo uma visão de cidadania que conecta as crianças às suas origens e histórias”, sinaliza Paula.
Fonte: O Tempo