Aumento de mais de 200 mil casos nos últimos dois anos alerta para uma condição multifatorial que desafia a saúde pública, segundo especialistas
O acúmulo de gordura acima de níveis considerados saudáveis é fator de risco para doenças crônicas não transmissíveis (Foto/Pexels)
Três em cada dez pessoas adultas são obesas em Minas Gerais. O aumento de mais de 200 mil casos nos últimos dois anos alerta para uma condição multifatorial que desafia a saúde pública, segundo especialistas. O acúmulo de gordura acima de níveis considerados saudáveis é fator de risco para doenças crônicas não transmissíveis, que são a principal causa de morte no mundo, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os dados do aumento da obesidade são do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), do Ministério da Saúde. Em 2022, eram consideradas obesas em Minas Gerais 728.598 pessoas, com prevalência em 30,05% da população mineira. No ano anterior, em 2021, eram 599.024 — alta de 21% — e, em 2020, 520.536.
“Preocupa muito porque a obesidade implica em aumento de doenças”, avalia a médica endocrinologista Maria Edna de Melo, professora da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Sociedade Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Ela teme por impactos, inclusive, no Sistema Único de Saúde (SUS).
São condições para as quais obesidade é fator de risco: hipertensão arterial, aumento do colesterol e triglicérides, diabetes mellitus tipo 2, apneia do sono, acúmulo de gordura no fígado, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e alguns tipos de câncer.
“A obesidade pode levar a complicações em qualquer um dos nossos sistemas, e isso ocorre de maneira individualizada. Já temos uma saúde pública sobrecarregada e, com aumento da obesidade, teremos mais pessoas doentes. O impacto se traduz em custos de saúde", analisa a endocrinologista Maria Edna de Melo.
Emagrecimento
O primeiro passo para o tratamento da obesidade é buscar apoio profissional, que é determinante para uma avaliação das necessidades de cada paciente. “O tratamento inclui um padrão alimentar saudável com diminuição da ingestão calórica e aumento da atividade física”, orienta o nutricionista Matheus Motta, do programa Vigilantes do Peso, que oferece acompanhamento de especialistas aos pacientes.
Para emagrecer — ou ganhar — 1 kg de tecido adiposo (gordura), é necessário um déficit de aproximadamente 7 mil calorias, "unidades de calor que medem a energia liberada a partir da queima (digestão) do alimento", explica o Ministério da Saúde, por meio do guia Alimentação Saudável.
Perder gordura representa gastar mais energia do que o consome. Mas a resposta para um emagrecimento saudável é complexa, o que reforça a importância de apoio profissional, especialmente em condições como a obesidade. “Muitas vezes as pessoas acabam seguindo dietas muito restritivas — que funcionam no primeiro momento, mas possuem um efeito rebote muito forte”, afirma o nutricionista.
Segundo Motta, também há casos de pessoas que buscam orientações em páginas online sem qualificação. “Isso tudo dificulta o processo de emagrecimento. A obesidade é uma doença multifatorial e deve ser tratada por uma equipe multidisciplinar — médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos”, analisa.
'Você está de dieta'
Durante o emagrecimento — e até mesmo depois dele — a advogada Maria Batista dos Reis, de 36 anos, de Belo Horizonte, lidou com desafios. “Julgamentos simplistas” e “terrorismo alimentar” de pessoas do seu convívio foram alguns deles. Ela chegou a pesar 91 kg e, após buscar apoio profissional, por meio do programa Vigilantes do Peso, emagreceu 12 kg. Desde então, manteve o peso estável, com uma rotina que inclui alimentos diversos e exercícios físicos. “Hoje sou triatleta amadora”, conta.
“Ouvia: “Ah, você está de dieta. Esqueci, você não pode comer””, conta a advogada. Segundo ela, embora desagradáveis, os comentários não a afastaram da busca por apoio profissional. “Motivaram-me a encontrar algo que estivesse em harmonia com o que eu acredito: o emagrecimento não está atrelado a restrições extremas. É possível e saudável emagrecer comendo todos os grupos de alimento, com parcimônia e equilíbrio”, avalia.
Segundo o nutricionista Matheus Motta, uma alimentação saudável resulta em benefícios em várias áreas da vida. “Você cria hábitos através de comportamentos mais saudáveis. É importante pensar em mudanças na sua rotina de atividade física, na mentalidade, na qualidade do sono e até mesmo na ingestão de água”, considera.
Medicamento é artigo de luxo
Em muitos casos, a mudança dos hábitos precisa ser acompanhada de tratamento medicamentoso. Em situações mais graves até mesmo com intervenção cirúrgica. No início de janeiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou o uso do Wegovy (semaglutida 2,4mg) para o tratamento da obesidade. O composto já era indicado para o tratamento da diabete mellitus tipo 2, mas passa a ter sinal verde para uso em maior concentração visando perda de peso.
Também são medicamentos autorizados para tratamento da obesidade no Brasil: Orlistate, Liraglutida e Sibutramina, explica a endocrinologista Maria Edna de Melo. Apesar das opções, os tratamentos podem ser considerados artigos de luxo devido ao alto custo.
A tabela de preços do Wegovy ainda não foi definida pelas autoridades, mas é possível ter um parâmetro ao comparar com o o Ozempic, que possui o mesmo composto, mas em menor concentração. O preço dele varia de R$ 700 a R$ 900, segundo lista de Preço Máximo ao Consumidor (PMC).
"O tratamento da obesidade representa iniquidade. Quem tem dinheiro, normalmente, fará tratamento medicamentoso, seguindo nutricionista. No SUS não tem medicação, e o tempo de espera para cirurgia [bariátrica] é muito elevado", lamenta.
Diagnóstico
Uma pessoa é considerada obesa quando o Índice de Massa Corpórea (IMC) é maior ou igual a 30 kg/m2. Embora o cálculo tenha limitações por não considerar, por exemplo, a proporção corporal, a quantidade de tecido muscular e a diferença entre homens e mulheres, ele é parâmetro usado pela OMS para diagnósticos.
O Ministério da Saúde disponibiliza uma calculadora online, que pode ser acessada aqui. Para quem deseja fazer o cálculo manualmente, basta dividir o peso em kg pela altura elevada ao quadrado (multiplicada por ela mesma). O resultado será avaliado conforme a seguinte classificação:
Menor que 18,5 - baixo peso
Entre 18,5 e 24,9 - intervalo normal
Entre 25 e 29,9 - sobrepeso
Entre 30 e 34,9 - obesidade classe I
Entre 35 e 39,9 - obesidade classe II
Maior que 40- obesidade classe III
Ações de enfrentamento na saúde pública
Para prevenção da obesidade, o governo de Minas se pauta no Guia Alimentar da População Brasileira, documento do Ministério da Saúde que aborda os princípios e as recomendações de uma alimentação adequada e saudável. Trata-se de um instrumento de apoio às ações de educação alimentar e nutricional no SUS. Clique aqui para acessá-lo.
O governo estadual também diz adotar estratégias de prevenção à obesidade infantil, por meio de ações de vigilância do estado nutricional e do consumo alimentar. Uma das estratégias é o Programa Academia da Saúde, que possui 436 polos em 308 municípios, que fazem parte da rede de Atenção Primária à Saúde.
Veja a nota do Governo de Minas na íntegra:
A SES-MG destaca que a Diretoria de Promoção à Saúde trabalha na utilização do Guia Alimentar da População Brasileira, publicado em 2014 pelo Ministério da Saúde. Esse instrumento visa “apoiar e incentivar práticas alimentares saudáveis no âmbito individual e coletivo, bem como para subsidiar políticas, programas e ações que visem a incentivar, apoiar, proteger e promover a saúde e a segurança alimentar e nutricional da população”.
Destaca-se, também, a Estratégia de Prevenção e Atenção à Obesidade Infantil (PROTEJA), instituída pela Portaria GM/MS nº 1.862, de 10 de agosto de 2021, que é uma estratégia brasileira intersetorial com o objetivo de deter o avanço da obesidade infantil e contribuir para o cuidado e para a melhoria da saúde e da nutrição das crianças por meio de ações de vigilância do estado nutricional e do consumo alimentar de crianças e de atenção integral às crianças com obesidade, dentre outras ações às quais os municípios pactuaram no momento da adesão.
Já o Programa Saúde na Escola (PSE) é uma política intersetorial da Saúde e da Educação, instituída em 2007 pelo Decreto Presidencial nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007. As políticas de saúde e educação voltadas às crianças, adolescentes, jovens e adultos da educação pública brasileira se unem para promover saúde e educação integral. Dentre as ações que são estimuladas a serem desenvolvidas no âmbito do PSE, destacam-se a promoção da alimentação adequada e saudável e da atividade física.
O estado também conta com 436 polos do Programa Academia da Saúde em 308 municípios do estado de Minas Gerais, que é uma estratégia de promoção da saúde e produção do cuidado adotada pelo Ministério da Saúde desde 2011. Esses polos fazem parte da rede de Atenção Primária à Saúde e são dotados de infraestrutura, equipamentos e profissionais qualificados. O PAS adota uma concepção ampliada de saúde e oferta ações em oito eixos temáticos que incluem a realização de práticas corporais e atividades físicas e promoção da alimentação saudável.
A Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil (EAAB) é uma estratégia nacional para a promoção do aleitamento materno e para a iniciação da alimentação complementar de forma saudável. Seu objetivo é qualificar o processo de trabalho dos profissionais da atenção primária à saúde para desenvolverem com a população o estímulo ao aleitamento materno exclusivo e a introdução de alimentos às crianças de forma saudável.
Além disso, por meio da Política Estadual de Promoção da Saúde (Resolução SES/MG nº 5.250 de 19 de abril de 2016 e Resolução SES-MG 7.610, de 21 de julho de 2021), fomentamos a oferta de diversas ações pelos municípios que impactam na prevenção da obesidade, tais como: a oferta de práticas corporais e atividade física para a sua população, de ações de educação em saúde com as temáticas de atividade física e alimentação saudável, de acompanhamento do estado nutricional e do consumo alimentar da população.
Destaca-se, também, que anualmente, nos dias 6 de abril e 16 de outubro, comemora-se, respectivamente, o Dia Mundial da Atividade Física e Dia Mundial da Alimentação. Para isso, são desenvolvidas diversas ações de divulgação nas redes sociais da SES, de conteúdo sobre a importância da prática de atividade física, de se alimentar de forma saudável e adequada, além do incentivo aos municípios a realizarem ações de promoção da atividade física e da alimentação saudável direcionadas à sua população.
Fonte: O Tempo