Na quarta-feira (21), Aldair protestou na praça Sete, em BH (Foto/VIDEOPRESS PRODUTORA)
"Um carro de polícia está rodando direto na casa da minha filha, passando em frente à loja dela. Agora é uma questão de vida ou morte, estão ameaçando a minha família". Assim Aldair Drumond, pai da escrivã Rafaela Drumond, que tirou a própria vida após supostamente sofrer assédio moral e sexual dentro da Polícia Civil, denunciou a coação que sua família estaria sofrendo na região do Campo das Vertentes, por conta das denúncias que eles têm feito.
"Se o Estado não me der proteção, pode acontecer igual o caso da Marielle (vereadora carioca assassinada a tiros em 2018). Estava em Belo Horizonte para resolver algumas coisas, mas estou voltando para Barbacena agora para ficar mais perto da minha família. Estou pedindo ajuda", apelou Aldair, que já se preparava para deixar a capital mineira e conversou rapidamente por telefone com a reportagem.
A denúncia acontece um dia depois do pai de Rafaela denunciar que o promotor de Carandaí, cidade da mesma região, teria dito que ele estaria "fazendo muito barulho" e que ele e a família deveriam "deixar a filha em paz". Na quarta-feira (21 de junho), ele fez uma manifestação na praça Sete e prometeu criar um instituto para ajudar mulheres.
A assessoria de imprensa da Polícia Civil foi procurada por volta das 11h para falar sobre as ameaças e coações que a família da escrivã estaria sofrendo para parar de denunciar o caso, porém, até a publicação desta reportagem, a instituição policial ainda não havia se posicionado.
A morte
Rafaela Drumond, de 32 anos, foi encontrada sem vida pelos seus pais na casa da família em Sá Forte, distrito de Antônio Carlos, outra cidade da região do Campo das Vertentes. A escrivã, lotada no município de Carandaí, foi vítima de suicídio.
O caso é investigado pela Polícia Civil de Minas Gerais. Conforme a instituição, um procedimento disciplinar e um inquérito policial foram instaurados para apurar as denúncias referentes aos fatos.
“A Superintendência de Investigação e Polícia Judiciária (SIPJ), por meio da Inspetoria-Geral de Escrivães, além de uma equipe da Diretoria de Saúde Ocupacional (DSO), do Hospital da Polícia Civil (HPC), estão no município de Carandaí para acolhimento e atendimento dos servidores”, disse a instituição afirmando que prestou condolências aos familiares, amigos e colegas da escrivã.
Saúde dos servidores e precariedade na instituição
O autoextermínio da escrivã Rafaela Drumond, de 32 anos, da Polícia Civil de Minas Gerais, lotada em Carandaí, na região da Zona da Mata, com circulação de áudios indicando pressão psicológica e assédio moral, acendem um alerta para um quadro muito mais profundo dentro da corporação: falta de estrutura e consequente deterioração da saúde mental dos servidores. Um problema que segundo o Sindicato dos Servidores da Polícia Civil no Estado de Minas Gerais (Sindpol-MG) é consequência de uma soma de fatores: falta de equipamentos e as condições inadequadas de serviços das delegacias, além da falta de cerca de 7 mil servidores na instituição.
Realidade essa que é confirmada pelo delegado-geral Antônio Carlos de Alvarenga, que atua na Divisão de Polícia Interestadual (Polinter). Conforme Alvarenga, a instituição tem defasagem de 50% na quantidade de escrivães, 45% de investigadores, 42% de delegados e de 35% de peritos. Situação que compromete a investigação dos crimes, com cerca de 10% dos casos apurados, e provoca sobrecarga de trabalho, com o consequente adoecimento dos servidores.
Para o delegado Alexsander Soares Diniz, titular na Delegacia de Barbacena, a unidade de Carandaí, onde a escrivã Rafaela Drumond estava lotada, oferecia condições adequadas para que as equipes realizassem os trabalhos. "É uma delegacia que possui estrutura condizente ao trabalho policial", garante.
Assédio como causa da morte da escrivã
Após a morte da escrivã Rafaela Drumond, vídeos e áudios como relatos de assédio moral e machismo começaram a circular entre servidores e pessoas próximas à profissional. O material teria sido deixado por ela, como forma de denunciar pressão psicológica e assédio moral.
Em um dos materiais recebidos pelos investigadores, a escrivã teria sido vítima de assédio moral, machismo e de ameaças. O suspeito das violências teria sido um servidor com cargo superior ao exercido por ela. "Eu te chamei de piranha. Risos. É muito cabecinha fraca, é muito cabecinha fraca. (....) Eu não bato em mulher, mas se você fosse homem, uma hora dessa, ou eu ou você, estava morto", indica trecho de um dos vídeos.
Após ter acesso ao material, o Sindicato dos Escrivães de Polícia Civil no Estado de Minas Gerais (Sindep-MG) se manifestou cobrando investigação do caso e a realização de uma audiência pública para esclarecer o ocorrido. Conforme a associação, outros servidores lotados na mesma região também são vítimas dessas violências.
“Os policiais estão adoecendo de forma muito perigosa e o cuidado com a saúde mental de nossos profissionais não tem chamado a atenção das autoridades responsáveis. A polícia está doente e quem deveria cuidar desses valorosos policiais está fingindo não ver”, destaca o sindicato.
Conforme o delegado Alexsander Soares Diniz, titular na Delegacia de Barbacena, não há registros formais referentes a casos de assédio moral na região. No entanto, as investigações buscam identificar se esses episódios de violência foram relatados em alguma oportunidade.
"Não chegou nenhuma reclamação formal ao meu conhecimento, mas o inquérito policial verifica isso. Se houve algo e em que consistia essa denúncia", disse o delegado, que afirmou que a investigação ocorre de forma isenta e profissional. "A minha gestão é de portas abertas. Temos hierarquia e disciplina em que temos que obedecer algumas regras. Mas sempre estive disponível aos policiais", acrescenta.
Fonte: O Tempo