A conta dos que não compram na legalidade é dividida entre clientes do mercado formal
Conhecido como “gatonet”, aparelho permite acesso a canais e streamings (Foto/João Godinho/O TEMPO)
O contrabando e a pirataria geraram cerca de R$ 471 bilhões em prejuízo aos cofres públicos entre janeiro de 2024 e o mesmo mês de 2025, conforme o último Anuário da Falsificação da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). Para além do dinheiro que deixou de fortalecer a saúde, promover a educação e melhorar a mobilidade, entre outros, esses crimes concorrem para mais um problema preocupante: o desemprego.
Analista da Unidade de Indústria, Comércio e Serviços do Sebrae Minas, Victor Mota explica que a falsificação retira do processo de produção etapas como pesquisa e inovação, o que resulta em menos vagas de emprego. Além disso, a compra de produtos falsificados inibe uma indústria de inovações.
“A gente vai ter menos gente trabalhando porque não existe só a fabricação, existe o trabalho de pesquisa, de desenvolvimento, de branding, para fortalecer a marca, agregar novas tecnologias e inovações para entregar produtos com mais qualidade”, explica Mota.
O vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Geovanne Teles, corrobora que a concorrência desleal entre empreendimentos legais e piratas tem várias consequências, entre elas a redução de postos de trabalho. “O empresário paga imposto, gera estoque e emprego. Ele recolhe impostos, mas não vende e quebra”, destaca.
Economista e professor dos cursos de gestão e relações internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), Fernando Sette lembra que, além do desemprego, há outra consequência da pirataria: a precarização do trabalho. Embora muitos negócios ilegais precisem de pessoas para se manterem, elas estão, via de regra, em condições também irregulares e sem direitos. “Empresas regularizadas geram empregos formais, que têm um custo maior, mas dão mais garantias ao trabalhador. Em empresas que estão à margem, o trabalho é informal”, ressalta Sette.
Produtos mais caros
A população, segundo Sette, sofre também com outra situação diante do mercado de produtos falsificados: ter que pagar mais caro por itens que poderiam custar menos se não fosse a ilegalidade. Um exemplo são os streamings. Os aparelhos que liberam diversos canais e são usados por uma parcela dos brasileiros acabam encarecendo os serviços para quem opta por pagá-los legalmente.
“A plataforma tem os custos para continuar funcionando. Se tem pessoas que estão usufruindo do serviço sem pagar a empresa, ela vai ter que aumentar os preços. O fato de alguém não pagar faz os outros pagarem”, esclarece o economista.
Mundo virtual: comércio na internet facilita a venda de produtos falsificados
João Pedro Oliveira, 31, comprou em um famoso site um fone para seu iPhone. Poucos dias depois, o equipamento chegou em uma caixa idêntica à embalagem usada pela empresa americana. “Achei estranho quando percebi que a impressão do manual de instruções não estava com boa qualidade, além disso as linhas do texto não estavam alinhadas. Comprei porque estava por R$ 1.400 no Pix, e o preço normal era R$ 1.900”, contou.
O autônomo só teve certeza da falsificação quando um amigo levou o equipamento para casa, pesou os itens e comparou com um tutorial que dava dicas sobre a conferência da originalidade dos produtos da Apple. “Minha sorte é que pedi o reembolso com sete dias”, disse.
O vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Geovanne Teles, explica que situações como a vivenciada por João Pedro acontecem porque, por trás da tela, é ainda mais difícil conhecer o vendedor, principalmente em negócios tipo marketplace, em que várias empresas podem vender em uma só plataforma. Quando o internauta compra na Amazon, por exemplo, o objeto não é produzido pela Amazon. O mesmo acontece com gigantes do varejo, como Magazine Luiza e Americanas.
“As empresas que fazem o marketplace realizam a intermediação. Então, elas geram uma comodidade de compra para o consumidor. É muito fácil abrir o Mercado Livre, ou a Amazon, ou qualquer uma que seja. Mas elas não produzem. Há empresas boas, mas há as que vendem mercadorias falsificadas”, diz.
Para Teles, no mundo virtual, o mercado online pode se tornar mais rígido para proteger o consumidor. “Elas (empresas digitais) vão começar a ter algum tipo de fiscalização que se dará por meio de um contrato com cláusulas duras para quem quiser realizar vendas nas plataformas. Se a empresa for flagrada vendendo produtos falsificados, vai sofrer penalidades muito pesadas”, considera o vice-presidente da CDL.
Fonte: O Tempo