ASSÉDIO MORAL E SEXUAL

PRF acusado de assédio por mulheres perde processo movido contra uma delas

O inspetor, alvo de acusações feitas por seis mulheres, cobrou indenizações por danos morais de quatro das vítimas após ser inocentado pela corregedoria; processo interno foi reaberto

O Tempo/José Vítor Camilo
Publicado em 06/08/2024 às 08:54
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Os assédios sexuais e morais aconteceram na Superintendência da PRF em Minas Gerais (Foto/Flávio Tavares/O Tempo)

Os assédios sexuais e morais aconteceram na Superintendência da PRF em Minas Gerais (Foto/Flávio Tavares/O Tempo)

Depois da Polícia Rodoviária Federal (PRF) decidir anular e reabrir o procedimento interno que, em 2023, inocentou um inspetor de Minas Gerais acusado de assédios sexuais e morais por seis mulheres, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou o policial por "litigância de má-fé" após entender que ele teria agido por "vingança" ao processar parte de suas denunciantes.

O policial cobrou de quatro das seis mulheres que o denunciaram, na Justiça comum, indenizações por danos morais que chegam a R$ 500 mil, alegando que a apuração aberta pela corregedoria teria causado "dano ao seu casamento". 

Em decisão proferida na última quinta-feira (1º de agosto), a juíza Gislene Rodrigues Mansur determinou que o policial rodoviário federal deverá arcar com os custos processuais, pagando 10% do valor da indenização por danos morais pedida - que era de R$ 56 mil -, além de 5% de multa. Com isso, ele deverá pagar cerca de R$ 8,5 mil. 

"Percebe-se que a presente ação possui, nitidamente, o intento ou de vingança, ou de constranger a ré e, possivelmente, as colegas de trabalho das partes junto à PRF (...) ressai que o autor buscou, com a presente ação, retaliação e constrangimento à ré e, quiçá, demais colegas de trabalho. Usou, pois, do processo para obter objetivo escuso", escreveu a magistrada na decisão. 

Ouvido por O TEMPO nesta segunda-feira (5), o advogado Lincoln da Silva Amaral, que representa a mulher processada pelo policial, explicou que o inspetor ainda pode recorrer da decisão proferida pelo TJMG. 

"Minha cliente ficou muito aliviada ao receber a notícia dessa decisão, pois, num primeiro momento, ela ficou muito assustada. Imagine receber uma intimação de que poderia ser condenada a desembolsar R$ 56 mil da noite para o dia. E, isso, por ela ter comparecido para prestar depoimento após ser intimada pela corregedoria, foi processada por cumprir o dever legal dela. Isso (processo) estava tirando o sono dela", disse Amaral. 

Caso a Justiça chegue ao mesmo entendimento nos processos judiciais movidos pelo policial contra as outras mulheres, ele poderá ser condenado a pagar mais de R$ 100 mil, já que, em uma das ações, ele pediu R$ 500 mil de indenização para uma das mulheres que o denunciaram. 

"Essa decisão é importante para que outras pessoas que tenham sido vítimas ou testemunharam algum assédio sexual ou moral não se sintam desestimuladas a denunciar os algozes. Na verdade, isso (processo movido pelo acusado de assédio contra as denunciantes) é um desserviço, até mesmo para a segurança pública, que depende muito que as pessoas tenham coragem para denunciar", completou o advogado.

A reportagem tentou contato com a defesa do inspetor da PRF condenado no processo movido por ele mesmo, porém, até a publicação da reportagem, os seus advogados ainda não tinham se manifestado. 

Relembre os casos

A "impunidade" após o homem ser inocentado, além do fato do acusado estar utilizando o procedimento interno para processar parte de suas vítimas na Justiça comum, foram a "gota d'água" para que mulheres da PRF fizessem uma Carta Aberta para cobrar mudanças nas políticas contra assédios da corporação.

Após as reportagens de O TEMPO, uma audiência pública foi promovida no Congresso, em Brasília, onde também foram expostos os relatos das vítimas. Para anular o processo que inocentou o inspetor e reabrir a apuração, a Corregedoria da PRF disse ter considerado justamente o que foi denunciado durante a audiência na Câmara dos Deputados.  

Para as reportagens denunciando o caso, O TEMPO teve acesso às mais de mil páginas do procedimento interno que acabou anulado nesta quinta. No documento, a primeira policial a relatar oficialmente o assédio contou que estava em transferência de Brasília para a unidade mineira da PRF. Pouco tempo após começar a atuar na Superintendência, notou que o inspetor se portava “de maneira muito próxima” e com “olhares indiscretos”.

Ela destaca que se esquivava e mantinha uma postura mais reservada. Posteriormente, os “toques” teriam se intensificado, com o suspeito constrangendo-a em situações como segurar sua mão para olhar seu esmalte e, até mesmo, se “ajoelhar no chão” e segurar sua mão, como em um pedido de casamento, para pedir que ela fosse trabalhar em seu setor.

No Dia dos Namorados de 2018, o chefe de gabinete teria enviado uma mensagem tarde da noite para a colega, insinuando que ela poderia “estar namorando”, sugerindo que ela poderia estar fazendo sexo naquele momento. Três dias após estas mensagens, o agente teria formalizado o interesse de que a policial trabalhasse com ele, mas isso só poderia ocorrer após o retorno do superior direto da mulher, no dia 25 de junho.

Foi justamente nesta data que o assédio sexual denunciado teria ocorrido, segundo o relato da vítima. Logo cedo, o inspetor denunciado enviou uma mensagem pedindo que ela fosse “tomar um café” com ele em sua sala assim que chegasse à Superintendência, antes mesmo de conversar com seu superior, que retornaria ao trabalho por volta das 10h. A policial foi ao gabinete acreditando que discutiriam sua transferência para o setor, mas, ao entrar na sala, o inspetor a teria segurado pela cintura e tentado beijá-la na boca.

Depois de empurrá-lo e sair da sala, a mulher informou ao seu superior direto que não trabalharia mais para a chefia de gabinete, setor do denunciado, mas não relatou o ocorrido imediatamente. Apenas mais tarde, após o então superintendente ligar indagando o porquê da desistência da mudança de setor, que a vítima decidiu confessar o assédio sofrido.

Adolescente de 16 anos está entre as vítimas

A partir da primeira denúncia e dos relatos de outros servidores da PRF, incluindo o então superintendente, sobre o “histórico de assédios” do inspetor, a Investigação Preliminar identificou outras vítimas. Entre elas, outra policial rodoviária federal relatou sentir-se incomodada com os pedidos insistentes do acusado para dar carona ou levá-la para almoçar, além de perguntas indiscretas, como quando ele perguntou se ela teria colocado silicone.

As “caronas” do inspetor também foram mencionadas por uma adolescente de 16 anos que fazia estágio na Superintendência mineira da PRF. A menor contou que, um dia, o homem ofereceu para levá-la em casa e ela aceitou. Embora nada tenha acontecido no dia, ao ser vista chegando com um homem desconhecido, a menor foi repreendida pelos pais e, por isso, não aceitou mais os convites do inspetor.

No entanto, o policial continuou insistindo, até que, um dia, enquanto a adolescente estava no ponto de ônibus, o inspetor parou o carro e desceu para convencê-la a aceitar a carona. Durante essa segunda carona, ainda conforme o relato da garota, o homem teria tirado a arma do coldre e a colocado no colo, além de fechar os vidros do carro “que eram muito escuros”. Ele perguntou sua idade e, ao saber que ela tinha 16 anos, questionou até quando ela trabalharia na PRF, afirmando que ela “poderia ficar mais tempo”. A situação e o diálogo deixaram a adolescente apreensiva, apesar de ele não ter tocado nela.

Outras servidoras civis também denunciaram toques inadequados do policial. Uma delas disse que ele teria apertado sua coxa e, em outra ocasião, colocado a mão na sua barriga e dito que ela estaria “durinha”. Uma secretária do gabinete afirmou ter sido “abraçada” por trás e, ao repreender o inspetor, ouviu dele que ela “ficou arrepiada”.

Conforme uma das vítimas, parte dos assédios ocorreram na presença de testemunhas, citando momentos em que o inspetor perguntou a colegas policiais se ela seria “sapata” e afirmou que iria “pegá-la”. Embora o relato cite nomes de policiais como possíveis testemunhas no processo administrativo, nenhum deles foi convocado pela comissão.

Além das cinco denúncias de assédio sexual, uma última funcionária da Superintendência relatou à Corregedoria ter sofrido perseguição e assédio moral, sendo afastada do trabalho por problemas psicológicos. O possível tratamento “rude” e “grosseiro” do policial foi relatado por outras pessoas no processo, apontado como a causa para o setor do chefe de gabinete perder diversos estagiários, que não gostavam da forma como ele os tratava.

Fonte: O Tempo

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