Starship vem sendo testada em voos mais curtos desde 2019 pela SpaceX, empresa de Elon Musk (Foto/SpaceX/Divulgação)
Em novembro do ano passado, a Nasa celebrou o lançamento da missão Artemis 1 com o foguete SLS, então promovido como o mais poderoso do mundo em operação. De fato era. Mas pode perder a posição já na próxima segunda-feira (17), quando a SpaceX pretende lançar pela primeira vez seu veículo Starship.
Com seus 120 metros, o poderoso lançador de dois estágios é o maior foguete já construído em toda a história. Ao se propelir até a órbita terrestre, baterá todos os recordes de capacidade de transporte espacial, superando até mesmo o Saturn V, usado nos anos 1960 e 1970 pelo programa espacial americano para as missões lunares Apollo.
Tem mais: a ambição da SpaceX é que o sistema seja totalmente reutilizável, com os dois estágios (um propulsor, denominado Super Heavy, e a nave propriamente dita, Starship) capazes de pousar de forma autônoma.
Para o voo inaugural, contudo, as ambições são muito mais modestas: ao estilo estabanado de Elon Musk (fundador e CEO da SpaceX), a empresa estará satisfeita se o gigante conseguir deixar a plataforma de lançamento em segurança. Tudo que vier depois é tido como lucro pelos engenheiros envolvidos no projeto.
A equipe, contudo, se considera pronta para voar. Uma revisão de prontidão de voo foi conduzida no fim de semana passado, com o veículo já montado sobre a plataforma, e com ela veio a decisão de não conduzir um ensaio geral molhado (ou seja, abastecendo o foguete e realizando a contagem regressiva até o momento em que os motores seriam acionados), pulando direto para uma tentativa real de lançamento.
A última pendência, pelo menos do ponto de vista burocrático, era uma autorização da FAA (agência federal de aviação americana), responsável pelo controle de voos privados de foguetes, concedida no fim da tarde de sexta (14).
A SpaceX opera seus ensaios de desenvolvimento do Starship a partir da instalação que chama de Starbase, em Boca Chica, no Texas. É na fronteira com o México, com saída para o golfo, numa região erma, mas com considerável presença de vida selvagem. A principal preocupação da FAA era com o impacto ambiental da operação. De acordo com a agência, a empresa de foguetes atendeu a 75 solicitações para cumprir os requisitos de segurança.
Com a licença em mãos, a SpaceX selecionou a próxima segunda (17) como data para o teste - ele ocorrerá entre 9h e 11h30 (do horário de Brasília). Além disso, os dias 18 e 19 foram indicados como reservas para o caso de algum imprevisto.
Não será de surpreender, contudo, se todas as três datas não forem utilizadas, em virtude de algum problema técnico.
O primeiro lançamento de um novo foguete é sempre complicado. A Nasa, com seu relativamente familiar SLS (fortemente baseado em tecnologias desenvolvidas para os antigos ônibus espaciais), originalmente pretendia lançar a Artemis 1 em 29 de agosto do ano passado, mas a missão acabou partindo só em 16 de novembro.
Seja quando for de fato o lançamento do Starship, ele pode se tornar um marco divisório na história da exploração espacial.
Para a lua e além
O programa Starship nasceu como iniciativa independente da SpaceX, e com outro nome: Interplanetary Transport System. Trata-se do sistema com o qual Elon Musk espera um dia promover a colonização de Marte.
Para isso acontecer, o custo de cada lançamento precisa cair drasticamente, o que só é possível se os veículos forem baratos, reutilizáveis, dispensarem grande manutenção entre voos, possam ser reabastecidos no espaço e sejam capazes de usar combustível facilmente produzido no planeta vermelho.
Foram esses os requisitos que nortearam a concepção do Starship: um veículo enorme, com nada menos que 33 motores no primeiro estágio (o maior número já usado em um um foguete), movidos a metano e oxigênio líquidos. Isso porque é simples produzi-los a partir de água e dióxido de carbono, dois recursos naturais fartamente disponíveis em Marte.
Parecia mais um delírio de Musk. Até que a própria Nasa começou a acreditar. Ao definir que faria a aquisição de um módulo de pouso tripulado para o programa Artemis por meio de concorrência, a agência acabou optando pelo programa Starship, deixando para trás designs mais conservadores (como o da Blue Origin, de Jeff Bezos) e empresas mais tradicionais (como a gigante Boeing).
A essa altura, o Starship já está contratado para fazer as alunissagens das missões Artemis 3 e 4 (a um custo de US$ 4,05 bilhões), o que significa dizer que não haverá astronautas caminhando na Lua tão cedo se o projeto da SpaceX fracassar. É uma aposta de alto risco da Nasa, com benefícios proporcionalmente altos em caso de sucesso.
O veículo poderá transportar mais de cem toneladas até a superfície lunar -algo como levar um Boeing 747 com a área de carga cheia. Isso tornaria a construção de uma base da Lua um processo muito mais simples.
Na prática, mudaria todas as regras do jogo na exploração espacial. Até hoje, o esforço é sempre o de fazer satélites e cargas úteis tão pequenos e leves quanto possível.
Lembra como o Telescópio Espacial James Webb, com seu espelho segmentado de 6,5 metros, teve de ir todo dobradinho dentro da coifa do foguete Ariane 5? No Starship, com um diâmetro de 9 metros, você pode acomodar um espelho bem maior que o do Webb --e sem dobrá-lo.
Uma série de outras aplicações poderiam se tornar possíveis, como transporte de pessoas e carga ponto a ponto em qualquer lugar da Terra em menos de uma hora.
O Pentágono, por sinal, está de olho no Starship como possível transporte para suas operações militares.
Contudo, será preciso que o veículo funcione como propagandeado. E tudo começa com este primeiro teste.
Na melhor das hipóteses, veremos o primeiro estágio decolar, concluir seu trabalho de ascensão, se separar do segundo estágio e descer para um "pouso" na superfície do mar, no golfo do México. A SpaceX não tentará recuperá-lo, mas quer treinar a capacidade de manobrá-lo para futuros pousos em solo.
O segundo estágio então usará seus motores (são três para propulsão no espaço e outros três para manobras na atmosfera) para atingir velocidade orbital, dar quase uma volta inteira em torno da Terra e então reentrar na atmosfera, fazendo um mergulho em alta velocidade no mar, próximo ao Havaí.
Se tudo isso der certo, ou se pelo menos o Starship atingir a órbita, a SpaceX poderá dizer que tem o foguete mais poderoso já lançado na história da exploração espacial. (Salvador Nogueira/ Folhapress)
Fonte: O Tempo