Dezessete facadas por pouco não tiraram a vida de Verônica Suriani, de 42 anos. Em 23 de maio de 2022, a advogada andava pelas ruas de Belo Horizonte com os dois filhos pequenos, quando foi surpreendida e atacada pelo ex-noivo, inconformado com o fim do relacionamento. Ele foi preso e aguarda julgamento, mas sua possível punição será baseada na antiga Lei do Feminicídio, que previa pena máxima de 30 anos para quem cometia o crime.
Porém, a punição para autores de feminicídio está mais dura no Brasil. Desde o dia 9 de outubro, quando a Lei 14.994, sancionada pelo presidente Lula, tornou o feminicídio um crime autônomo, aqueles que cometerem essa atrocidade terão pena mínima de 20 anos de prisão e máxima de 40 anos, a maior prevista no Código Penal Brasileiro. Por não ser retroativa, a regra só vale para feminicídios cometidos após a data em que a lei entrou em vigor.
Apesar de o agressor de Verônica não poder receber a nova pena, ela entende que a regra mais dura é importante no combate ao crime contra a mulher. “A vitória almejada será quando uma mulher puder andar na rua sozinha sem medo de ser violentada. Mas a nova lei é uma vitória. Vitórias são válidas, têm que ser comemoradas. São um indicador de avanço”, afirma a advogada.
Avanço que precisa chegar com urgência, e não baseado apenas na punição, mas também na prevenção e na educação para reduzir os casos de feminicídio, como afirmam especialistas ouvidos pelo Super Notícia. No Brasil, conforme o Anuário de Segurança Pública 2024, 1.467 mulheres foram assassinadas apenas pelo fato de serem mulheres em 2023, mais do que os 1.455 crimes desse tipo registrados em 2022.
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp-MG), só de janeiro a setembro deste ano, o Estado registrou 108 feminicídios. O número é 23,9% menor do que o do mesmo período de 2023 (145). Porém, as estatísticas apontam que o feminicídios tentados passaram de 119 para 193 no mesmo período dos dois anos, uma alta de 62%.
“Apenas punir não é suficiente. Se penalizar fosse bom, nós não teríamos nenhum crime. Temos um código penal que tem tema para todo tipo de infração penal, mas tem seu ponto positivo, porque alguns criminosos podem ficar receosos ao pensar na possibilidade de ficar mais tempo na cadeia, então precisamos divulgar mais”, pondera a desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Evangelina Castilho Duarte.
Advogada criminalista e presidente da Comissão de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da Ordem dos Advogados Seção MG (OAB-MG), Isabella Pedersoli concorda e defende que é dever do poder público combater o crime e desenvolver equipamentos para dar mais segurança às vítimas. “Se a mulher procurou uma delegacia e não tem um agente público capacitado para atendê-la, para valorizar a vida antes que ela seja morta, não adianta”, adverte.
Advogada e pesquisadora de violência contra a mulher, Isabella Bettoni ainda lembra que a educação é fundamental. Segundo ela, a Lei Maria da Penha, que combate a violência doméstica, já prevê medidas educativas para a sociedade. “Em seu artigo 8 há diversas medidas para serem inseridas nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para prevenção à violência doméstica, o que acontece aquém do necessário”.
A desembargadora Evangelina acrescenta que toda a sociedade precisa ser reeducada, tanto os homens que se comportam de maneira machista quanto as mulheres, que muitas vezes são as responsáveis por educar os filhos. “Ela precisa criar o filho homem como uma pessoa igual à mulher. Se ela tiver filha, vai criar para que ela se sinta igual ao homem e que nunca entenda que ela é inferior aos homens”, explica a jurista.
“Números são alarmantes”, diz advogada da OAB
Se os casos de feminicídio consumado diminuíram em Minas Gerais de janeiro a setembro deste ano (108) comparados ao mesmo período do ano passado (145), os ataques a mulheres sem morte cresceram 62% (de 119 para 193) nos primeiros nove meses de 2024. Os números, na avaliação da vice-presidente da Comissão de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da OAB Minas Gerais, Ariane Martins Moreira, são alarmantes.
Segundo a especialista, o fato de o número de feminicídios tentados ter subido serve de alerta, mesmo que o número de mortes esteja em queda. “Claro que a gente fica feliz em relação às vítimas não consumadas, mas os números são alarmantes. Se as tentativas do crime cresceram, significa que o número de homens querendo cessar a vida da mulher está maior. Não quer dizer que a coisa está melhorando. Se as mortes estão caindo, entre as hipóteses pode estar que as mulheres estão recebendo mais ajuda quando atacadas, ou a própria mulher está mais forte e conseguindo escapar. Se a morte não se consumou é apenas por algo alheio à vontade do agressor, pois a intenção dele era ter matado”, afirma.
Promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e coordenadora do Centro Estadual de Apoio às Vítimas Casa Lilian, Ana Tereza Giacomini explica que, juridicamente, o feminicídio tentado é o mesmo crime que o feminicídio consumado. “No julgamento, a pena que o juiz parte, na primeira fase, é a mesma. Em outra fase, se o feminicídio foi tentado, a pena é diminuída de um a dois terços. O ataque dirigido ao direito à vida da mulher ocorreu tanto no tentado quanto no consumado. Ambas são vítimas de feminicídio”, diz a especialista.
Segundo Ana Tereza, é preciso mais políticas públicas voltadas às mulheres. “Incluindo políticas que tratem o psicológico dessas vítimas, que muitas vezes se desencorajam de procurar a Justiça”, disse.
O que diz o Estado
Em entrevista coletiva para falar dos números de feminicídio em Minas Gerais, a subsecretária de Prevenção à Criminalidade da Sejusp, Christiana Dornas, disse que a redução dos casos consumados do crime se deve às medidas adotadas pelo Estado. “As delegacias trabalham com as medidas protetivas. A Polícia Penal, com a monitoração eletrônica, e todas as ações de repressão qualificada da Polícia Militar foram capazes de gerar a diminuição no número de feminicídios em Minas. Além disso, o aumento de denúncias e o cumprimento das medidas protetivas também são ações importantes para a diminuição no número de mortes de mulheres”, afirmou. A Sejusp não comentou o aumento das tentativas de feminicídio.
Fonte: O Tempo