Conversas interceptadas pela Polícia Federal atestam que o ex-ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid, temia que prática fosse comparada a rachadinha
Michelle Bolsonaro (Foto/Reprodução)
A Polícia Federal interceptou mensagens de áudio trocadas entre o então ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), tenente-coronel Mauro Cid, e duas assessoras de Michelle Bolsonaro, que revelam a existência de uma orientação para o pagamento em dinheiro em espécie das despesas da ex-primeira-dama.
Conforme a transcrição dos áudios de WhatsApp, Mauro Cid demonstrava preocupação de que a ação fosse caracterizada como um esquema de ‘rachadinha’. Ele chega a mencionar o caso do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O conteúdo das mensagens foi revelado pelo portal UOL.
Mauro Cid teve quebra de sigilo das comunicações e foi preso no último dia 3 de maio por suspeita de fraudar cartão de vacina da covid-19. Segundo reportam do UOL, a Polícia Federal fez uma devassa nas transações financeiras do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e auxiliares do Palácio do Planalto. A corporação, segundo o portal, chegou a indícios da existência de um esquema de desvio de dinheiro com o objetivo de bancar as despesas de Michelle Bolsonaro.
Segundo relatório da Polícia Federa, as conversas revelam a existência de uma “dinâmica sobre os depósitos em dinheiro para as contas de terceiros e a orientação de não deixar registros e impossibilidades de transferências”.
Após publicação da reportagem, o ex-secretário de Comunicação do Governo e atual assessor de imprensa de Bolsonaro, Fábio Wajgarten, afirmou que “não há nada ilegal nas transações efetuadas”. “Os pagamentos de fornecedores informais, pequenos prestadores de serviços, eram feitos em dinheiro afim de proteger dados do presidente”, escreveu em uma rede social.
A Polícia Federal identificou, segundo o UOL, que a ex-primeira dama usava um cartão de crédito vinculado à conta de Rosimary Cardoso Cordeiro, à época assessora parlamentar no Senado e amiga de longa data de Michelle. Rosimary e Michelle já trabalharam como assessoras de deputados na Câmara.
Mauro Cid pagava a fatura do cartão em dinheiro vivo, em uma agência do Banco do Brasil dentro do Palácio do Planalto.
Duas assessoras da ex-primeira dama, Cintia Borba Nogueira e Giselle dos Santos Carneiro da Silva, conversam com Mauro Cid sobre as irregularidades no pagamento das despesas de Michelle. As assessoras afirmam que tentam convencê-la a parar de usar o cartão de crédito da amiga (Rosimary). Os áudios são de 2020.
Cintia Borba Nogueira (30/10/2020), em áudio enviado a Giselle Carneiro:
Então hoje é essa situação do cartão realmente é um pouco preocupante. O que eu sugiro para você é o seguinte. No momento que você for despachar com ela, é esse assunto. Você pode falar com ela assim sutilmente, né? (...) Mas eu acho que você poderia falar assim: dona Michelle, que é que a senhora acha da gente fazer um cartão para a senhora? Um cartão independente da Caixa. Pra evitar que a gente fique na dependência da Rosy. E aí a gente pode controlar melhor aqui as contas. (...) Pode alertá-las o seguinte, que isso pode dar problema futuramente, se algum dia, Deus o livre, a imprensa descobre que ela é dependente da Rose, pode gerar algum problema.
Giselle Carneiro (25/11/2020), em áudio enviado ao tenente-coronel Mauro Cid.
Coronel, bom dia. Ontem eu conversei com a senhora Adriana para saber se ela tinha falado com a dona Michelle né. Ela falou que conversou. Explicou, falou todos os problemas, preocupações, né. (...). Mas então o resultado foi que a dona Michelle ficou pensativa. Segundo a dona Adriana, ficou pensativa, mas que vai continuar com o cartão. E ela falou que tem, tem os comprovantes assim, né? Que esse cartão já era bem antes do presidente ser eleito. Mas de qualquer maneira, a dona Adriana falou que ela ficou pensativa, né? Ontem mesmo já fizemos uma compra, mas foi em outro cartão. Então eu estou vendo que realmente tá sendo de pouco uso o da Caixa. Mas por enquanto é isso. Obrigada".
Mauro Cid (25/11/2020), em áudio enviado a Giselle.
Giselle, mas ainda não é o ideal isso não tá? O Cordeiro conversou com ela, tá, também. E ela ficou com a pulga atrás da orelha mesmo: tá, é? É. É a mesma coisa do Flávio. O problema não é quando! É como deputado, rachadinha, essas coisas.
Mauro Cid (25/11/2020), em segundo áudio enviado a Giselle
Se ela perguntar pra você ou falar alguma coisa ou comentar, é importante ressaltar com ela que é o comprovante que ela tem. É um comprovante de depósito, é comprovante de pagamento. Não é um comprovante dela pagando nem do presidente pagando. Entendeu? É um comprovante que alguém tá pagando. Tanto que a gente saca o dinheiro e dá pra ela pagar ou sei lá quem paga ali. Então não tem como comprovar que esse dinheiro efetivamente sai da conta do presidente. O Ministério Público, quando pegar isso aí, vai fazer a mesma coisa que fez com o Flávio, vai dizer que tem uma assessora de um senador aliado do presidente, que está dando rachadinha, tá dando a parte do dinheiro para Michelle.
Mauro Cid (25/11/2020), em terceiro áudio enviado a Giselle
E isso sem contar a imprensa que quando a imprensa caiu de pau em cima, vai vender essa narrativa. Pode ser que nunca aconteça? Pode. Mas pode ser que amanhã, um mês, um ano ou quando ele terminar o mandato dele, isso venha à tona.
Cintia Borba (4/10/2021), em áudio enviado a Giselle
E sobre as flores da Patrícia Abravanel, ela falou que é para o Cid fazer o pagamento. Mas ele tinha me falado na semana passada que quando for esses pagamentos de terceiros, é pra gente pegar o dinheiro com ele e fazer o pagamento por aqui, tá? Então eu vou pedir para ele para sacar esse dinheiro e peço o Vanderlei para pegar lá para a gente fazer o... Vai ter que ser feito um depósito, né? No número daquela conta que você me passou, tá?
Osmar Crivelatti (8/11/2021), militar subordinado a Mauro Cid na Ajudância de Ordens, em áudio enviado a Giselle
Giselle, bom dia! É, é esse, esse pagamento, o coronel tinha passado para a gente, mas eu acho que esse banco digital a gente não consegue fazer pagamento. E transferência nós não podemos fazer. Então vê o que que nós podemos fazer. Se entregamos o dinheiro para vocês. Ou se você tem alguma outra conta, Banco do Brasil, alguma coisa que a gente possa fazer o depósito, tá bom Giselle? Bom dia aí, obrigado.
Giselle Carneiro (30/11/2021), em áudio enviado a Cíntia, assessora do Planalto, e pessoa de nome Vanderlei
Boa noite, Vand e Cintía. PD (Primeira-dama) falou, eu perguntei para ela se ela queria transferir Pix, né? Tanto para Bia. Daí, ela falou: não, vamos fazer agora tudo depósito, que, aí pede pro Vanderlei fazer o depósito, a gente consegue o dinheiro e faz o depósito. Só que ela não falou como conseguiu o dinheiro, se o dinheiro está com ela, se a gente pega na AJO. Não falou, tá? Ela falou que assim não fica registrado nada, vamos fazer depósito. Então a gente tem que começar a ter esse hábito do depósito, então né?...
(em atualização)
Fonte: O Tempo