Única mulher na Alta Corte do Judiciário, presidente do TSE sente o peso de nada sair errado e blinda o tribunal contra a difusão de mentiras e deep fakes
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, tem um jeito peculiar de comandar a Justiça Eleitoral. À frente das eleições municipais pela segunda vez - feito já inédito em 2012 onde, até então, só homens assumiram a função desde 1932 -, nada passa sem o carimbo da ministra.
Com a missão de gerir um processo eleitoral menos polarizado que o de dois anos atrás, Cármen Lúcia encara a difusão de notícias falsas, “anabolizadas” pelas deep fakes e pela presença do crime organizado em candidaturas, como “um touro a ser segurado na unha".
Se seu antecessor Alexandre de Moraes resolvia na “canetada” a tomada de decisões, ela resolve na centralização e na rigidez com que aprova ou desaprova tudo que cabe à presidência decidir no TSE. É assim quando se reúne com desembargadores que presidem os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) em Brasília.
No último encontro, em 17 de setembro, no seu gabinete do último andar da sede da Justiça Eleitoral, a ordem de Cármen Lúcia foi blindar a imprensa do acesso ao prédio além da portaria. E que nenhum dos participantes desse qualquer declaração aos jornalistas, o que foi seguido à risca.
Ministra intervém diretamente no controle da comunicação institucional
Na comunicação da Justiça Eleitoral, onde uma equipe robusta e bem estruturada prepara o conteúdo para informar os cidadãos sobre as eleições, nada sai sem a autorização direta da presidente. Pedidos de entrevistas, tanto com ela quanto com servidores para tratar de assuntos relacionados ao pleito, são pessoalmente analisados - e negados - por ela.
Os tempos de coletivas e consultas de anos atrás, já não existem em 2024. Nos bastidores do TSE, o que se avalia é que a priorização da técnica e do rigor, características da ministra que trabalha 15 horas por dia e divide suas atividades entre o comando da Justiça Eleitoral e as funções no Supremo Tribunal Federal (STF), só aumentou.
Como a credibilidade dos ministros do Supremo, da Justiça Eleitoral e das urnas eletrônicas seguem sendo desacreditada por parte dos apoiadores da direita no país, Cármen Lúcia teria um temor a mais.
A ministra receia que qualquer informação em áudio ou vídeo divulgada em entrevistas dadas por ela e servidores possa ser manipulada por deep fakes, a ferramenta de inteligência virtual que faz tornar crível possíveis mentiras propagadas. E qualquer dano às eleições municipais seria colocado na conta dela.
‘Cármen Lúcia não está sendo tímida na reação aos casos de violência’
Procurador do Estado de Pernambuco, professor e advogado eleitoralista, Walber Agra, elogia a conduta da ministra no processo eleitoral de 2024. Para ele, o reflexo disso é o tribunal não gerar notícias negativas e a luta de Cármen Lúcia no enfrentamento às fake news e do risco da inserção do crime organizado no processo eleitoral.
Agra não acredita que a presidente do TSE esteja reagindo com timidez à crescente dos casos de violência entre candidatos, principalmente na cidade de São Paulo. “O que está acontecendo por lá é resultado da idiossincrasia de São Paulo onde um candidato desponta como fruto da criminalização do meio político”, acredita.
“Não há aí omissão da Justiça Eleitoral, mas, sim, dos próprios candidatos e da falta de uma legislação mais rígida no regimento dos próprios partidos, que permitem esse tipo de candidatura”, completa o jurista.
Machismo e misoginia na pauta da carreira
Cármen Lúcia carrega o peso das exclusividades e do ineditismo. É a única mulher na Alta Corte do Judiciário, majoritariamente masculino e branco. Nesse ambiente, já lamentou várias vezes que a condição dava aos colegas de Corte o direito de interrompê-la quando falava - a ela e à ministra aposentada Rosa Weber, com quem já dividiu o plenário.
A cobrança do machismo estrutural sobre sua condição de mulher e única a presidir o TSE duas vezes reforça a necessidade de não errar, já que a “conta” é paga com discursos misóginos e preconceituosos com os quais ela vem lidando há décadas na magistratura.
Fonte: O Tempo